Personalie

sábado, 27 de fevereiro de 2010

17ª Capítulo



Enquanto eu tomava café da manhã, sozinha – meu pai já tinha ido para a câmara municipal e minha mãe já tinha tomado café da manhã com ele -, minha mãe entrou na cozinha com uma expressão desconfiada estampada na cara.

- Tem um rapaz na porta que quer falar com você. – dizia ela enquanto rodeava a minha cadeira. – Você não tinha falado sobre nenhum Frederic Pierre para mim, Letícia.

Quase engasguei com a torrada. Precisei tossir umas duas vezes para a comida descer.

- F-Fred está na porta? – Perguntei.

- Sim. Ele disse que veio buscá-la para irem ao CAMPUS juntos, arrumar as coisas para a festa. Ah, ele tem um sotaque diferente, ele é de Portugal?


Pensei rápido e respondi:

- Hum... Ele... Mora lá. Está fazendo faculdade de letras.

Ela arregalou os olhos e deu um sorrisinho interessado.

- Parece ser um bom partido. – Agora ela estava sentando-se à mesa. – E, meu Deus, que olhos!


Engoli o resto do suco de uma vez, para sair logo dali e me livrar de uma conversa sobre rapazes com a minha mãe.

- Bom, mãe, estou saindo! Não me espere para o almoço, vou comer em algum restaurante na rua. – Levantei. – Estarei aqui antes das seis.


Dei um beijo de despedida no rosto dela – o que a deixou mais espantada ainda – e sai saltitante em direção a porta, mas antes que passasse por ela, topei com Frederic sentado no sofá da sala.

- Sua mãe parece estar mais simpática. – Comentou ele enquanto se levantava.

- Que nada, são os seus olhos. – Sorri. – Em todos os sentidos.

Ele sorriu de volta.

Pegamos um táxi e fomos para o CAMPUS.

O pátio do CAMPUS estava lotado de pessoas correndo para todos os lados com faixas, fitas e outras coisas para enfeitar a escola, nas mãos.


Frederic e eu entramos juntos na escola.


Por onde passávamos, arrancávamos olhares curiosos das pessoas do CAMPUS, que nunca tinham visto Frederic antes.


Percebi quando Charlotte murmurou alguma coisa do ouvido de uma garota morena que eu não sabia o nome. Logo depois ela jogou um sorriso e um olhar cheio de malicia para Frederic, que nem notou o gesto da ruiva.


O sorrisinho de Charlotte foi substituído por uma cara de decepção acompanhada de olhar de raiva jogado para mim, que eu fiz questão de responder com um sorriso.



Encontramos com a diretora – que até pediu que eu apresentasse ‘o meu novo amigo’ – e ela pediu que eu ajudasse o pessoal responsável pelas faixas, que estavam na quadra da escola.


- Ela não parece tão assustadora como naquele dia em que você agrediu o seu ex. – comentou Frederic com um pouco de sarcasmo na voz.


- Ela devia estar de TPM. – Falei enquanto abria a porta do ginásio rindo da minha própria piada juntamente com Fred... Até que o meu sorriso se apagou quando eu vi as pessoas que estavam cuidando das faixas:

Jack e Selena.


Haha, que ótimo.

- Uau. Isso vai ser difícil. – Murmurou Fred no meu ouvido. – Mas a gente supera.


Frederic tomou a minha frente e chegou nos dois antes de mim.


- Olá, pessoal. – sorriu ele como se fosse íntimo dos deles. Percebi Jack prender uma gargalhada, provavelmente por causa do sotaque de Fred – Sou Frederic Pierre, namorado da Letícia.


Quando Jack ouviu a palavra “namorado”, rapidamente a gargalhada evaporou e foi substituída por uma expressão de espanto.


Selena parecia surpresa, meio boquiaberta até.


- Namorado? – Perguntou ela, parecendo duvidar.

- É. – respondeu Fred ainda sorridente. – Amor, é aqui que vamos ajudar, não é?

- Aham. – Respondi sem jeito, chegando ao lado dele e ficando de frente a frente com as duas pessoas que fizeram a maior sacanagem comigo.


Começamos a arrumar as faixas sem nenhum papo, até que Jack perguntou para mim:


- Ele não é daqui, né?

- Não. É de Portugal. – Respondi sem olhar para ele, com a atenção nas faixas.


- Hum... E vocês tem quanto tempo? – Ele falava baixo, e como Fred e Selena estavam há uma certa distância de nós, prendendo as faixas nas paredes, não tinha como eles escutarem a nossa conversa.


- Algumas semanas.

- E... Estão felizes?

- Muito. – Respondi rapidamente. – Me passa a cola?


Jack me passou a cola, e quando eu a peguei da mão dele, ele segurou a minha.


- Eu ainda não esqueci você. Só estou com ela porque os pais dela nos pegaram, não tive escolha. – Disse ele segurando a minha palma com o tubo de cola entre as nossas mãos. O rosto dele estava cada vez mais perto do meu.

Fitei a nossas mãos. Velhos tempos passaram pela minha cabeça, mas eu não queria recordá-los.

- Você só precisa dizer uma palavra e eu nunca mais falo com a Selena, e-eu nunca devia ter feito o que fiz. Eu estou arrependido. – Dizia ele fitando os meus olhos.

Ele parecia tão sincero... Mas não era mais a ele que o meu coração pertencia.

Respirei fundo antes de dar a última cartada.

- Eu não te amo mais, Jack.

Jack engoliu em seco, então soltou a minha mão e se afastou do meu rosto.

Suspendi a cola e agradeci.

- Hum, valeu.

- Por nada.



As horas voavam, e a cada minuto a quadra ficava mais enfeitada, cheia de fitas e faixas com os nomes dos alunos que tinham passado em vestibulares esse ano.


Na hora do almoço, Frederic e eu fomos comer em um restaurante de comida italiana. Uau, eu não sabia que Fred gostava tanto de massa.


- Se você fosse ficar aqui por mais tempo, eu poderia fazer miojo pra gente. Bom é a única coisa que eu sei fazer além de gelo. – Falei rindo.


- Nunca comi, mas parece ser bom. – Disse ele enquanto colocava mais uma garfada de macarrão na boca. – Mas o que eu quero comer mesmo é... bolo de chocolate com coca-cola! Sempre vejo você comendo, me dá uma vontade...


- Então está combinado, a noite eu vou te levar em uma lanchonete ótima, que serve o melhor bolo de chocolate daqui!



Incrível como tudo com Frederic parecia ser melhor... O caminho do restaurante para a escola, que parece ser longe demais para ir andando, pareceu perto demais quando percorrido com o meu anjo. Paramos na pracinha para tomar um sorvete e sentar um pouco.


Esperamos o sol baixar e voltamos para o Campus.


As coisas lá já estavam quase prontas, mais umas faixas ali, umas fitas aqui, e pronto!


Estava terminado. E eu ainda tinha uma hora livre antes de ir para o salão.


- Temos uma hora. – Informou-me Frederic.

- É, eu sei. Que tal irmos ao hospital? Prometi a Lucas que ia visitá-lo todos os dias.

- É uma boa idéia.


Dessa vez pegamos um táxi para não perder muito tempo.


Fred preferiu esperar na recepção, e quando eu entrei no quarto de Lucas me deparei com o meu pai na porta.

Essa era a hora de ter “A conversa”.

- Pai. Me diga que veio contar a verdade a Lucas.

Ele suspirou e então disse:

- Querida, teremos que ter calma. Vamos esperar o seu irmão sair o hospital, daí contamos tudo a ele. – Os olhos dele caíram – Tenho certeza de que ele vai me odiar depois disso, mas... Não podemos enganá-lo.

- Ele vai me odiar também. E odiar a Clarisse. – Concordei. – Mas vai passar, eu tenho certeza.

Sorri e abracei o meu pai.



Quando entrei no quarto, Lucas estava sentado na cama mexendo em um notebook.

- Ah, Lê! Obrigada pelo presente! – Disse ele levantando o notebook.

Eu já ia dizer que não tinha dado presente nenhum a ele, até que ele continuou.

- O chef... Ops, o seu pai veio trazer, disse que foi um presente seu. Valeu mesmo, é demais!

Ah, agora sim estava tudo entendido.

Falsifiquei um sorriso e disso “por nada”.

- Então, como você está? – Perguntei enquanto dava um abraço bem forte nele.

- Muitíssimo bem, não sei porque ainda me prendem aqui.

- Ei, não seja teimoso, faça tudo que os médicos mandarem e logo sairá daqui.

Ele revirou os olhos mas acabou concordando.

- Então, o que me conta de novo? – Perguntou ele. – Estou carente de novidades aqui, bom, pelo menos agora vou poder trocar recados com o pessoal da minha rua.

- Hmmm... Lembra daquele meu amor impossível? – Perguntei.

- Claro. – Disse ele tirando os olhos da tela do notebook para me olhar.

- Então, descobri que não é impossível. Bom, pelo menos não tanto como eu achava.

Ele sorriu.

- Que bom! Logo, logo estaremos os dois comprometidos. – ele abaixou a voz e então disse – Hoje eu perguntei a enfermeira se ela estava solteira. E adivinha? Solteiríssima!

Gargalhei.

- Caramba, você não sossega nem no hospital, hein?

- Fazer o quê, quando o amor bate à sua porta...

Foi ai que alguém bateu na porta.

- Entra. – Disse Lucas para quem quer que estivesse do outro lado.

E adivinha só quem entrou?

- Olá, Lucas. – Disse Frederic, entrando no quarto com o rosto meio corado. – Como vai?

Fred se sentou na cadeira ao meu lado.


Lucas me olhou confuso, então eu sorri e ele entendeu que se tratava do meu amor.

- Oi... Você deve ser o...

- Frederic. – Eu disse. – Meu namorado.

Fred sorriu sem jeito. Lucas aproveitou a timidez do meu anjo para fazer uma de suas piadinhas.

- Então, quais são as suas intenções com a minha garotinha? – Disse ele parecendo o meu pai.

Eu ri.

- Lucas! Não seja bobo!

- Não é bobeira. É preocupação. – Disse Fred para mim, então voltou-se para Lucas novamente. – As melhores possíveis, senhor.

Ficamos os três conversando, até que deu a minha hora e eu tive que ir para o salão. Frederic deu tchau para Lucas e saiu do quarto.

Quando eu estava saindo, Lucas me chamou.


- Ei, Lê – disse ele. – Diz para o Fred que ele foi aprovado.


Sorri e mandei um beijo para ele.


Frederic ficou na pracinha e eu segui para o salão de táxi.

Fui atendida logo que cheguei – mamãe e suas tramóias.

Puxa dali... Estica daqui... Eu não conseguia ver como o meu cabelo estava ficando, mas depois de quase ficar careca, devia estar aceitável.

E quando eu me olhei no espelho pela primeira vez depois de pronta, eu estava mais que aceitável. Talvez até desejável.


Meu cabelo estava preso nos lados por umas tiras de flores violetas, e na frente caia uma franja lisa e negra como ébano. Atrás, desciam cachos até a cintura. Meu vestido estava acertado nos mínimos detalhes, parecia ter sido feito para mim, só para mim.


- Uau, querida. Você está linda! – Disse meu pai quando veio me buscar no salão – Vai direto para o Campus ou vai passar em casa antes?

- Obrigada, pai. Não... Nenhum dos dois. Quero ficar na pracinha, não é muito longe do Campus.

Ele estranhou, mas por fim ligou o carro e seguiu sem mais perguntas.


O entardecer deixava o céu com uma mistura de laranja e azul, onde a lua cheia que aparecia por ali se destacava. No oeste, o sol terminava de se pôr, e logo o escuro tomou conta da pracinha, tanto que as luzes dos postes foram acesas.

Sentei-me no banquinho de sempre. Eu sabia que ele estaria ali.

Não precisei esperar muito, logo o vi se sentar ao meu lado, estendendo uma rosa vermelha para mim.


- Você está magnífica. – Disse ele quando eu peguei a rosa e a cheirei.

- Você também está. – E estava mesmo. Não sei como ele tinha conseguido fazer isso, mas agora ele estava vestindo um smoking que parecia bem caro. O violeta dos seus olhos se destacava nas vestes escuras.


Ele se levantou e estendeu a mão para mim.

- Pode me dar o prazer de levá-la ao baile?

- Claro. – Respondi delicadamente. Parecia que estávamos no século XX.


Eu achava que íamos à pé, mas um carro preto importado parou no encostamento da rua, e de dentro dele desceu um homem bonito, vestido de terno e gravata, com uma pele morena que se destacava nos olhos claros que pareciam de anjos...


De anjos?


O homem abriu a porta de trás para que eu e Frederic entrássemos, depois a fechou e voltou-se para o banco da frente.


- Gabriel, nos leve para o Campus.

O homem – Gabriel, provavelmente – virou-se para nós e deu um sorriso, concordando.

Sorri de volta, meio confusa, então sussurrei para Fred:

- Como conseguiu isso?

- Como aconteceu com a Cinderela, a magia acaba à meia noite. – Ele sorriu e me deu o primeiro beijo da noite.



O Campus nem parecia uma escola. Estava decorada para uma noite perfeita, “onde todos os sonhos podem se realizar”. Pelo menos foi isso que a diretora disse no seu discurso.


As luzes foram apagadas e o DJ começou a tocar as músicas badaladas. Avistei Jack e Selena de longe, ele usava roupas sócias e Selena usava um vestido vermelho sangue que se destacava perfeitamente na sua pele branca e no seu cabelo louro-claro.


O ginásio estava apertado, parecia ter duas vezes mais o número de alunos. Todos muito bem vestidos e com copos e tira-gostos nas mãos, alguns apenas dançavam, outros aproveitavam a pouca luz para se esfregar em alguém – como Charlotte, que beijava um garoto que eu nunca tinha visto antes. Ela usava um vestido verde, e o seu cabelo de fogo descia em cachos até abaixo da cintura.


O clima não estava muito agradável para quem queria sossego. Então eu e o meu Anjo fomos para o pátio da escola, que estava vazio e quieto – a não ser pelo barulho que vinha de dentro da festa, abafado pelas paredes.


Frederic me conduziu até os balanços ali perto. Ficamos ali por um tempo, sentados cada um em seu balanço. O vento morno da primavera soprava em meu rosto, o cabelo de Frederic flutuava com a brisa.


- Só temos meia hora. – Disse ele olhando para o relógio de bolso que trazia no smoking.

- Não. Temos uma eternidade inteira. – Eu disse. – Você mesmo já me disse isso.

Ele sorriu.

- Você tem toda a razão.


Fred puxou o meu balanço para perto do dele e me beijou, primeiro com calma, depois com mais urgência.


Conversamos e nos beijamos em pausas até uma música lenta começar a tocar dentro do ginásio. Fred me olhou com um sorriso, então se levantou.

- Ainda não dançamos. – Disse ele. – Quer dançar?

- Sim. – Respondi pegando a mão que ele estendia para mim.


Era tão bom sentir o calor do corpo dele. Sentir a sua respiração no meu ouvido, as suas mãos nas minhas costas, sentir a minha cabeça repousar em seu ombro, e todo aquele cheiro de primavera que ele tinha, que parecia muito com o cheiro da rosa que ele me dera esta noite.

Eu me sentia em um conto de fadas. E sabia que toda a magia acabaria daqui a poucos minutos, à meia noite – como Frederic havia dito.


- Isso é loucura. – Deixei escapar.

- O que? – Perguntou ele com calma.

- Você não pertence ao meu mundo... Seus batimentos estão contados, e daqui à alguns minutos não poderei senti-lo mais.


Em silêncio, ele me rodopiou.

- Um coração para de bater, mas nunca para de amar. – Sussurrou ele ao meu ouvido a mesma frase que eu havia lhe dito há um tempo.

O olhei com um sorriso, e disse:

- Você tem toda a razão.

Senti os lábios macios esmagarem os meus, o cheiro de primavera cada vez mais forte. A música rolava e os minutos se passavam, nos perdemos no nosso beijo, talvez o nosso último beijo.

Ele interrompeu os meus lábios por um segundo, e sussurrou ainda na minha boca.

- Daqui a pouco você não sentirá mais o meu beijo. Mas vai me sentir – ele levantou a sua mão até o meu peito esquerdo – aqui.

Sua mão desceu à minha cintura novamente, e os seus lábios voltaram a pressionar os meus.


Ouvi o baixo “Bip. Bip” do relógio de bolso de Frederic.

Era meia noite.

Eu não pude mais sentir o sabor de seu beijo.

Mas pude sentir a presença de sua alma no meu coração.