CAP. 16 – O presente do Anjo.
O sol estava se pondo. E logo a lua apareceria para ser iluminada pelo sol.
Era tão bom ver o pôr-do-sol... Mas quando você o vê longe da pessoa – ou anjo – que você ama, ele fica meio sem graça. Ou com mais graça ainda.
A lembrança de Frederic estava presente ali, era como se ele estivesse do meu lado, mas eu não podia vê-lo. Não sei explicar se o pôr-do-sol amenizava ou piorava a dor que eu sentia, a dor da saudade.
Por um lado, era bom lembrar dele. Porque me fazia feliz. Mas depois, quando eu caia na real e via que ele nunca mais voltaria, eu retornava ao buraco fundo da solidão e da tristeza.
Enquanto observava o pôr-do-sol, tive a impressão de ouvir alguém se aproximar. Olhei ao redor, mas não vi ninguém além das criancinhas que passavam pelo outro lado do jardim com os pais ou babás, indo embora, porque com a chegada da noite, a praça não era mais das crianças, mas sim dos casais. As vozes pareciam estar muito perto.
- ... Não posso viver indo embora e voltando de novo, Gabriel! Não vê como ela fica toda vez que eu vou embora?
- Ah, Anjo, aposto que ela adoraria vê-lo mais uma vez!
O quê? Mas... Como?
Eu tinha certeza que uma das vozes era a de Frederic!
Eufórica, comecei a procurar por ele. Eu sabia que ele estava perto, mas eu não conseguia vê-lo! Olhava para todos os lados, e nada.
- Vamos lá, Frederic, deixe-a vê-lo. – Pediu a voz desconhecida.
- Não sei, Gabriel... Não quero ferir os sentimentos dela novamente.
As vozes pareciam despreocupadas. Com certeza eles não tinha a mínima que eu estava ouvindo-os. Resolvi fingir não estar percebendo, para evitar que se calassem.
- Olhe só para ela – Quando a voz desconhecida, que parecia ser de alguém chamado Gabriel, falou isso, eu me encolhi -, veja como ela está triste. Ela está sentindo a sua falta.
Nesse momento tive vontade de chorar, mas me contive.
- Eu sei. Eu também sinto a falta dela. Você nem pode imaginar o quanto...
Sorri um pouco. Era bom saber que ele também estava com saudade de mim.
- Então... O que está esperando? – Dizia Gabriel – É a primeira vez que algo assim acontece. Você sabe que a intenção dos céus é fazer amor, e não destruir. Tenho certeza que vamos achar uma solução para vocês. Enquanto isso... Aceite o meu presente.
- Promete que vai achar uma solução? – Perguntou Frederic.
- Sim, rapaz. Eu prometo.
Me preparei para ver Frederic. Algo me dizia que eu iria vê-lo. Eu não conseguia controlar a felicidade que eu sentia.
Mas por outro lado, sabia muito bem o quanto sofreria quando ele partisse novamente. Entendi muito bem quando ele disse que não queria ferir os meus sentimentos novamente, mas por outro lado, entendi quando Gabriel disse sobre ele deixar que eu o visse mais uma vez. Claramente eu não podia vê-los porque eles estavam impedindo isso de alguma maneira.
Eu só não entendia porque conseguia escutá-los...
Nesse momento a praça estava vazia.
Apenas eu, as árvores e as vozes.
Mas onde estavam os donos delas?
O silêncio tomou conta do lugar. Eu não ouvia mais as vozes.
E logo percebi que – provavelmente - tudo não passava de coisas da minha cabeça.
Talvez eu estivesse entrando em algum tipo de depressão.
Talvez Frederic nunca tivesse existido. Talvez ele fosse apenas uma invenção da minha cabecinha solitária.
Um amigo imaginário, talvez. Eu já tive um. Mas eu só tinha 8 anos, e ele era vede de antenas cor-de-rosa.
E Frederic não. Ele era tão real (quer dizer, tirando o fato de ele poder flutuar e atravessar coisas sólidas do meu mundo)... Ele era mais do que o meu amigo. Mais do que o meu anjo da guarda – ou o meu amigo imaginário?. Ele era o amor da minha vida.
Haha.
Como eu não tinha pensado nisso antes?
Como pude ser tão boba?
Ser enganada por mim mesma! Pela minha própria solidão!
Só agora, com a dor, eu podia perceber que tudo não devia passar de um pesadelo daqueles bem longos, ou simplesmente de algum delírio da minha cabeça. Em que mundo anjos viriam dar apoio a alguém que quase nunca vai a igreja? Em que mundo seres humanos se apaixonam por seres que já morreram? Ou melhor... Em que mundo os anjos são reais?
Com certeza não no mundo real.
Mas agora era tarde demais.
Eu estava envolvida demais nesse pesadelo.
Eu estava completamente apaixonada por algo inventado pela minha própria mente.
E pior. Eu não tinha a mínima idéia de como voltar para o mundo real.
Levantei chorando do banquinho da praça. Ainda bem que não tinha ninguém por lá, seria bem estranho sair chorando com um monte de gente olhando.
Antes de entrar em casa, limpei os olhos para que ninguém percebesse que eu estava chorando. Ou pior, que eu estava louca.
Foi bom eu ter feito isso, porque meus pais me esperavam na sala.
- Querida! Parabéns! Melhores notas da sala de novo! – Dizia o meu pai enquanto via em minha direção com o boletim na mão.
- Ah, legal. Obrigada, pai.
- Letícia, a escola ligou e pediu para você ir ajudar na arrumação amanhã. – Disse minha mãe.
Novidaaaaaade. A escola sempre liga. Já era de se esperar.
- Ok. – Respondi.
- Com essas notas você merece um presente! O que você quer ganhar? – Perguntou papai, sorridente.
- Hum... Não sei. Tanto faz, acho que passar de ano é a minha obrigação.
- Ai meu Deus, essa garota só pode ter puxado a você, Victor. Nunca vi alguém tão sem orgulho. – Resmungou a minha mãe – Bom, pois eu tenho uma idéia de presente. O seu vestido para usar amanhã. Acho que aquele que você comprou no mês passado não vai servir mais, você deve ter engordado uns dois ou três quilos, passou o mês todo se empanturrando de bolo de chocolate e refrigerante. Ah, e você tem salão amanhã às seis horas, tomei a liberdade de marcar porque sei que você nem se lembrou de fazer isso.
- Legal, mãe. – Respondi exausta.
- E seu jantar hoje não vai ser bolo de chocolate com coca-cola, mandei preparar uma sala natural pra você, tem que se alimentar melhor.
- Salada? Eca! – Fiz uma careta – Mas mãe... Não me importo em engordar.
- Mas eu me importo. E sem mais “mas mãe e mas mãe”, é isso e ponto final.
Procurei o meu pai para me defender, mas ele já tinha fugido da sala.
Provavelmente na hora que mamãe começou a tagarelar, porque ele já sabia que se não saísse ia sobrar pra ele.
Depois de ser obrigada a comer salada e esperar todos – meu pai e minha mãe, que insistia em comer bem devagar - terminarem o jantar, finalmente consegui subir para o meu quarto, onde eu podia sofrer em paz, tendo como conselheiro o meu travesseiro, que sempre fazia o doce papel de secar as minhas lágrimas enquanto eu abafava o choro nele.
Tomei um banho quente e vesti um pijama bem fresquinho, também abri a janela para deixar correr um ar dentro do quarto. O dia amanhã seria bem agitado, porém bem sem graça. E eu tinha que dormir bem para agüentar o dia seguinte. E além do mais... Vai ver se Frederic não aparecia nos meus sonhos?
Tá. Ele nunca mais iria voltar. Mas eu ainda não tinha me acostumado com a idéia de ele ser apenas uma invenção da minha cabeça... Quer dizer, eu não seria criativa o bastante para isso, nem estando maluca.
********************
Devia ser quase meia noite quando despertei de um pesadelo.
Na verdade, era a reprise do sonho que eu havia tido na noite anterior.
Mas só as partes ruins dele.
A hora em que Frederic ia embora, e eu tentava pegar a mão dele e segurá-la, mas algo o levava para longe.
Acordei desesperada, como sempre acontecia quando eu tinha um pesadelo.
Ofegante, tomei um gole d’água da garrafa que eu tinha deixado sob a mesinha de cabeceira antes de dormir.
Estava quente, mas tudo bem.
Enquanto bebia a água, percebi o quanto ventava lá fora. A cortina balançava pra lá e pra cá por cima da janela escancarada. O cheirinho de verão penetrava no quarto como se fosse um perfume doce e forte. Era disso que eu estava precisando: Cheirinho de novo em vez de cheiro de mofo, pois era assim que o quarto estava antes de eu abrir a janela.
A mudança foi tão forte e boa que me fez levantar da cama e ir até a janela.
Lá fora, a Lua brilhava se destacando no céu, assim como as pequenas – bom, elas pareciam bem pequenas - estrelas ao seu redor.
De joelhos na cama e com os cotovelos apoiados na janela, fechei os olhos e relaxei.
Engraçado como quando você está relaxando, você sempre se lembra daqueles momentos mágicos que você tem certeza que nunca vai esquecer.
A primeira lembrança que veio a minha mente foi a do beijo de Frederic.
O melhor sonho que já tive.
Mas também o pior pesadelo.
Era como se eu estivesse dentro daquele sonho. Com aquele vestido branco de seda. Na praça vazia, no meio do nada. Era como se eu estivesse sentindo, naquele momento, a mão do Anjo tocar o meu rosto, limpando toda lágrima que caia por ali. Sentindo os lábios dele tocando os meus, a mão dele nas minhas costas... O seu cheiro de verão.
E de repente, comecei a sentir isso de verdade...
O colchão da cama cedeu como se estivesse recebendo mais um peso. Senti a mão dele passar pelas minhas costas, agarrando a minha cintura em um abraço enquanto eu apertava os olhos tentando fazer a ilusão passar. Senti o queixo dele repousar no meu ombro. O seu doce cheiro de verão cada vez mais penetrante. E finalmente escutei:
- Eu voltei.
Eu sabia que aquilo era apenas mais um sonho. Mas não era por isso que eu devia ignorá-lo. Eu sabia muito bem o quanto sofreria ao acordar, mas não me controlava em aproveitar o momento.
Então, sem euforia nenhuma, ciente de que tudo não passava de uma ilusão, abri os olhos e virei para olhá-lo.
Os seus olhos de violeta brilhavam apenas com a luz do luar, entrando em sintonia com a cor da noite e o cheiro que vinha dele mesmo – e do verão.
- Vou sentir a sua falta. De novo. – Sussurrei enquanto tocava os lábios no rosto dele.
- Não vai mais. Vim para ficar. – Disse ele.
Apenas ri. Como eu sonhava positivo...
Então, sem criticar a minha ilusão, joguei os braços ao redor do pescoço dele e o beijei.
As mãos dele desciam e subiam pelas minhas costas, mas não de um jeito vulgar... Era mais como um carinho. Enquanto isso, eu enrolava os dedos no cabelo dele, macio como o pelúcia.
Finalmente os meus joelhos cederam, e eu cai na cama com ele por cima de mim. Se isso fosse real, eu poderia dizer que estávamos indo longe demais...
Até que ele parou de me beijar e voltou a ficar de joelhos sobre a cama.
- O que foi? – Perguntei.
- Não podemos ser pegos. Agora eles podem me ver. – Respondeu Frederic em um tom de voz baixo.
Levantei e fiquei de joelhos também, estendi a mão até o pescoço dele e o beijei novamente.
- Ninguém vai nos pegar. E se nos pegarem, não vai haver problema nenhum, afinal, é apenas um sonho. – Falei e voltei os meus lábios para os dele.
Ele interrompeu o beijo com uma risada.
- Isso não é um sonho. É real. – Disse ele, e voltou a me beijar.
Agora foi a minha vez de interromper o beijo.
- Haha, por que está mentindo? Bom, tanto faz, sei que amanhã vou acordar e não irei te encontrar aqui, então, por favor, me deixe aproveitar. – Voltei a beijá-lo.
Depois de um tempo, ele finalmente parou e voltou a falar:
- Se não acredita em mim, tente acordar.
Acordar? Eu queria voltar para os braços dele!
- Fred, não quero acordar. – Falei – A realidade é muito ruim para mim, pois não posso encaixar você nela.
Ele mordeu os lábios e pareceu pensar um pouco, então, disse:
- Eu prometo que você já está acordada. Agora, apenas tente. Vamos, tente.
Ai ai... Eu sabia que iria me arrepender por isso. Mas talvez fosse melhor mesmo, eu podia aprender com isso e parar de mergulhar em fantasias.
- Tudo bem. – Falei.
Então comecei a tentar acordar...
Eu fechava e abria os olhos, me mexia inquieta, até tentei me beliscar, mas nada me fazia acordar. Fui até a janela.
- O que vai fazer? – Perguntou o Anjo.
- Vou pular. É o bastante alto para me fazer pensar que morri e eu acordar naturalmente.
- Está ficando louca? Você vai morrer de verdade se fizer isso!
- Mas eu tenho que saber se estou acordada!
Coloquei um pé para fora da janela. Senti o vento bater na minha perna e levantar o short do meu pijama.
De repente, senti algo real naquilo tudo...
- O medo não a faz perceber que isso tudo é real? – Perguntou ele.
O medo... Era isso!
Eu estava... Com medo.
E nos sonhos, sempre vencemos o medo. Pois simplesmente sabemos que é um sonho!
- Ai meu Deus! – falei – Você tem razão! Eu estou com medo!
Desci da janela rapidamente e a fechei.
Olhei para Frederic, que agora estava de pé no chão, enquanto eu continuava de joelhos na cama.
Sorri.
- É real! – Exclamei.
- Sim. – Confirmou ele sorridente.
- Mas... Como?
- Gabriel, ou Gabreel, como é mais conhecido aqui, conversou com os outros Anjos-Pais e eles chegaram a conclusão de que duas pessoas que se amam devem conviver juntas, e eles levaram o nosso caso em questão, e resolveram que eu posso continuar a ser o seu Anjo. – Explicou ele. – Até que a morte nos una novamente.
- Meu Deus! Não acredito! – Dizia eu enquanto o abraçava – Então quer dizer que você vai ser assim pra sempre, que você ganhou uma nova chance de viver?
Ele suspirou.
- Hum... Não. Na verdade, só tenho essa forma humana até a meia noite de amanhã. Foi um presente de Gabriel, por termos cumprido as nossas missões e pelo nosso amor.
Não fiquei triste com a notícia. De verdade. Tê-lo como Anjo já era o bastante.
- Então vamos curtir até a meia noite. – Falei.
- Mas mesmo depois de amanhã, os seus sonhos ainda serão meus, e as noites serão nossas.
- Pode ficar com os meus sonhos, só tem graça de forem com você.
Voltamos a nos beijar. Até... Bom, não sei até quando.
- Eu te amo. – Disse ele, em uma das pausas dos nossos beijos.
- Eu te amo mais. – Falei, e voltei aos seus lábios.
********************
Juro que aquela foi a manhã mais linda de toda a minha vida.
Acordei com o som dos passarinhos na janela, que estava aberta, e com a luz no sol que iluminava e arejava todo o quarto. O cheiro de verão continuava forte e penetrante dentro do quarto.
Mas, por outro lado, eu estava triste. Porque sabia que o que tinha acontecido na noite anterior não passava de um sonho. Com certeza o sonho mais real que eu já havia tido.
Os indícios para que o ocorrido fosse um sonho eram que:
1) A janela estava aberta quando eu acordei, e no sonho eu havia fechado-a.
2) Frederic não estava ali.
Mas eu sentia que aquilo tinha sido real. De alguma forma, eu tinha certeza.
Meus lábios estavam um pouco adormecido. Como isso tinha acontecido se era só um sonho?
Sentei na cama e fiquei pensando um pouco....
Sonho ou realidade?
- Pronta para o mundo real, princesa? – Disse ele saindo de dentro do banheiro com apenas dois botões na camisa abotoados, de forma que metade do seu peitoral estivesse descoberto. O cabelo dele estava molhado, de modo que ficou claro que ele havia usado o chuveiro.
Por um momento fiquei paralisada.
Ai. Meu. Deus.
O que nós fizemos na noite passada?
De repente, entrei em pânico.
- Frederic! O que aconteceu? Nós...
Ele demorou um minuto para entender sobre o que eu estava falando.
- Oh, não, não, Letícia! Não fizemos isso... – Ele passou a mão no cabelo molhado, jogando-o para trás – Bom, não que eu me lembre.
- Ai meu Deus, minha mãe vai me matar, e o meu pai vai te matar.
- Acho que não, eu já morri, esqueceu?
- É. Mas bem, acho que não fizemos nada de mais... Eu nunca fiz “isso”, mas acho que se tivesse feito teria me lembrado, certo?
- Eu também não. E além do mais, se tivéssemos ido longe demais, Gabriel já teria me impedido de ficar aqui, afinal, luxuria é um dos sete pecados capitais, e eu continuo sendo um anjo...
É. Com essa eu aliviei.
- Tem razão. Não fizemos nada de mais.
Ele sorriu e veio até mim para me dar um beijo. Foi nessa hora que alguém bateu na porta.
- Letícia! Acorda! – Era minha mãe. Com o susto, eu e Frederic nos afastamos e nos olhamos com aquela cara de “ai meu Deus, e agora?” – Abra a porta! Tenho uma surpresinha pra você!
- E agora? – Sussurrou Fred.
- Vai pra debaixo da cama! – Apontei.
Rapidamente ele se enfiou lá embaixo.
- Espera, mãe. Já estou abrindo, deixa só eu... me vestir.
- Anda logo, garota, eu não tenho a manhã toda.
- Pronto, já estou indo.
Abri a porta, e lá estava ela: maquiada e penteada às oito da manhã, e para completar, com uma caixa enorme na mão.
- O que é isso? – Perguntei.
- O seu vestido para hoje a noite! – Ela respondeu radiante. – Saia da frente e me deixe entrar, quero ver como ele vai ficar em você!
Mamãe praticamente me empurrou e entrou no meu quarto sem nem pedir “licença”. Uau, quanta educação.
- Hum... Mas que cheiro é esse? – Perguntou ela, me olhando com uma cara desconfiada.
Mordi os lábios e pensei em uma desculpa.
- Eu deixei a janela aberta a noite, o quarto está arejado. É só isso.
Enquanto mamãe se virava para conferir a janela aberta, olhei para a cama e consegui ver Fred tentando observar o que se passava.
- Não é só isso. Parece mais um... Perfume. – Dizia ela enquanto rodava o quarto com a caixa na mão.
Ela abriu a porta do banheiro, olhou lá dentro, e voltou a me olhar.
- O q-que foi? – Perguntei.
- Nada. – Respondeu ela, ainda mais desconfiada.
- Bom, mãe, vamos logo ver esse vestido! Não vejo a hora de experimentá-lo!
Por sorte, minha mãe acabou contagiada com o meu “humor” e, alegremente, colocou a caixa sob a cama e tirou o vestido de dentro.
Era branco e de renda. Tinha algumas flores pequenas cor de violeta prestas na barra da saia e na cintura. As alças eram fininhas e de fitas brancas rodeadas com uma borda lilás, que prendiam do busto e amarravam ao redor do pescoço.
Tenho que admitir: A minha mãe era ótima com essas coisas.
- É... Perfeito! – Falei ao vesti-lo.
- Eu sabia que você ia gostar! Ah, e tem a sua sandália! Você vai amar!
De dentro da caixa, mamãe tirou uma sandália de salto fino, da mesma cor do vestido, com uma fita lilás que prendia no tornozelo.
Experimentei-a. Coube direitinho, e deixou o vestido ainda mais perfeito.
- Comprei pensando nesse vestido. – Disse mamãe, ajeitando os últimos detalhes na parte de trás do vestido.
- Obrigada, mãe. – Falei.
- Não seja boba, Letícia, acha mesmo que eu ia deixar você ir a festa de fim de ano da sua escola com um vestido qualquer? Não mesmo! Como filha da primeira dama...
Ela começou a tagarelar, mas como eu não estava muito a fim de ouvir ela se gabar, não prestei atenção. Apenas fiquei falando coisas como “É” e “Ah” e “Ahaan” toda vez que ela falava “Não é verdade?”.
Quando já ia fazer uma hora que ela estava me atormentando com aquele papo de “primeira dama”, eu finalmente falei:
- Mãe, tenho que tomar banho... Preciso ir pra escola daqui a pouco.
- Ah! Verdade, querida! Nem percebi o tempo passar! Ande rápido, quero você aqui antes da seis da tarde, marquei salão para você! – Dizia ela enquanto saia do quarto levando o vestido, a sandália e a caixa.
Assim que ela saiu, corri para trancar a porta.
- Ufa. – Suspirei. – Essa foi por pouco.
- É. – Concordou Fred enquanto saia do seu esconderijo.
- Precisamos achar um jeito de te tirar daqui sem que ninguém te veja. – Falei.
Frederic olhou para os lençóis e para a janela.
- Está pensando o mesmo que eu? – Perguntou ele.
Fui até a janela para conferir que não havia ninguém na varanda que tinha lá embaixo.
- Sim. – Respondi com um sorriso.
Amarramos um monte de lençóis e os transformamos em uma corda gigante. Fred amarrou uma ponta na cabeceira a cama, e a outra ele jogou lá embaixo.
Antes de descer, ele me deu um beijo.
- Espero você na porta.
- Ok. – Falei.
Fiquei observando ele descer pelos lençóis, e rezando para que ninguém o pegasse quando ele fosse pular o muro.
Quando ele chegou lá embaixo, jogou um beijo para mim e eu acenei a mão para ele. Rapidamente ele pulou o muro e eu não consegui mais vê-lo.
Agora era hora de me preparar para o grande dia. Até a meia noite.