Personalie

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010


4º CAP. – Traição

Depois daquela difícil visita, eu não tinha mais forças pra nada. Tudo que eu queria era esquecer aquela imagem de Lucas, naquela cama, cheio de fios ligados a ele, fios que o mantinham vivo, eu só não sei até quando.

Pensamento positivo, pensamento positivo. Tentei pela milésima vez enfiar isso na minha cabeça.

Só que a cada minuto que passa, menos esperanças eu tenho.

O pior é não saber quando isso irá acabar. Pode ser hoje, semana que vem ou daqui a trinta anos. Eu espera não ter que esperar muito tempo para ver aqueles olhinhos verdes brilhando novamente. Eu já estava morrendo de saudades das reclamações bobas dele, do seu sorriso contagiante, do “Boa aula” que ele sempre me desejava ao me levar pra escola, e até das suas observações sobre o meu namorado, que eu não concordava.

O carro parou na garagem da minha casa. Eu limpei as lágrimas que estavam manchando meu rosto.

Meu pai parecia ver que eu não estava a fim de conversar, então fechou a boca ao se preparar para falar algo.

- Pode falar pai, eu estou bem. – Falei – Ou... quase bem – Tentei fazer uma piada, que não teve graça.

- Bem, eu só queria pedir pra você não comentar com a sua mãe que eu passei a tarde toda no hospital com Lucas e... Clarisse – Disse ele falhando um pouco a voz no último nome – Bem, você sabe como é sua mãe.

- Claro. – Falei com a testa franzida.

Minha mãe é um pouco... paranóica. Mas eu acho que meu pai está exagerando em achar que ela ficaria com ciúmes de Clarisse, bem, ela nem sabe da história passada do meu pai com a mãe de Lucas... Então, se minha mãe desse um dos seus “pitis” a injusta seria ela. Mas já que meu pai não quer que eu comente sobre isso na frente dela, eu vou obedecer, afinal, ele está me ajudando mais do que ela a superar isso, tudo bem que sua ajuda não é lá essas coisas, mas eu sei que se ele tivesse mais tempo iria se dedicar mais a mim. Então eu poderia ficar agradecida por isso.

Eu estava subindo as escadas para sofrer no meu quarto quando uma das empregadas me chamou.

- Menina, você devia dar uma volta, respirar uma pouco. Bem, garotas da sua idade gostam de ir ao shopping. Vai... Assim você se anima mais um pouquinho. – Disse ela enquanto limpava minhas lágrimas.

- É, acho que vou dar uma volta. – Eu disse forçando um meio sorriso.

Eu subi para o meu quarto tomei um banho quente pra relaxar, me vesti e fui dar uma volta.

Dessa vez eu não fui de carro. Decidi ir andando mesmo.

Eu nunca tinha notado como era tudo tão lindo a noite, o tempo estava meio frio e parecia que ia chover, mas mesmo assim não deixava de ser lindo pena que minha vida não estava tão linda assim. Sem problema, se chover eu pego um taxi.

Eu andei por várias ruas. Passei em frente a uma pracinha onde eu costumava brincar quando era criança. Eu não resisti a me balançar no parquinho.

Lembrei de como era bom quando meu pai ainda não era prefeito, quando eu ainda não era muito rica, eu tinha amigos, me lembro que sempre encontrava minhas coleguinhas de escola nessa pracinha. Nós pulávamos corda, brincávamos de esconde-esconde... Era tão bom. Por que tinha que acabar?

Depois que meu pai virou prefeito todas as crianças queriam ser minhas amigas pra descolar um banho de piscina na casa do prefeito. Foi a partir daí que eu parei de confiar em todos como amigos.

Por isso tenho só três amigos, e eu espero que continue com esses três. Mas mesmo tendo dinheiro, não tenho popularidade como Selena e Jack, as pessoas não ficam me rodeando, até porque eu não gosto disso, acho que as pessoas me acham meio... estranha. É, deve ser isso. Sei que um monte de gente pensa: “Ah, é impossível não ter muitos amigos com tanto dinheiro”. Mas não é bem assim. Como dizem: melhor poucos e verdadeiros amigos do que muitos e falsos. Por isso me contento apenas com Jack, Selena e... Lucas.

Estava esfriando cada vez mais e eu comecei a ficar com bastante frio.

Era bem comum fazer frio sempre aqui em Vitória da Conquista, até mesmo no verão. Às vezes parece que moro no sul do Brasil e não no nordeste. Mas hoje o frio me pegou de surpresa, estava tão quente de manhã...

O vento no balanço estava me deixando com mais frio então eu decidi parar.

A praça estava quase vazia, não eram mais as crianças que a povoavam, como já era noite, a praça era tomada por casais de namorados.

Eu desci do balanço e fiquei caminhando pela praça, só por caminhar mesmo, só pra tomar um arzinho e esfriar a cabeça.

Mas mesmo se eu visse a coisa mais linda e interessante do mundo ainda assim seria difícil esquecer a imagem de Lucas daquele jeito.

Doía-me lembrar, mas era quase impossível esquecer.

A pracinha estava fria demais para o meu estilo de roupa, eu olhei no relógio e ainda ia dar 19h00minh. Eu estava com a minha carteira, então decidi agir como uma adolescente comum agiria numa situação dessas para esquecer os problemas: ir ao shopping.

O shopping não era muito longe da li então em pouco tempo eu já estava lá.

Eu passei por umas lojinhas e comprei uns presentinhos para Jack e Selena. Para Jack eu comprei um ursinho em forma de coração escrito “I Love You” e para Selena uma corrente daquelas que o pingente pode ser dividido e um deles você dá para sua melhor amiga, eu fiquei com a metade de um pingente e pedi para a mulher da loja embalar o outro para presente.

Eu passei por mais lojinhas, dessa vez uma de vestidos e vi um perfeito! Era tomara-que-caia, longo e bem cheio. Mas o que eu mais gostei foi da cor, a minha preferida, lilás.

Eu pensei nele para o baile, mas eu tinha combinado de comprar meu vestido junto com Selena, então nem entrei.

Eu subi as escadas rolantes para o setor de lanches.

Eu me sentei em uma das mesinhas do Mc’donalds.

A umas três mesas à frente eu avistei uma garota loura e um garoto de pele castanha e cabelos escuros. Parecia ser meus amigos, Jack e Selena, eu me levantei pra ver mais de perto.

Eles viraram um para o outro, de lado, então eu pude confirmar.

Com certeza eram eles.

Bem, agora eu tinha alguém pra andar no shopping. Eu abri um sorriso e fui andando, quase pulando, até eles.

Mas aí.... ESPERA UM MINUTO! Como eles puderam fazer isso comigo?

Eu presenciei o exato momento em que “meus amigos” se viraram um para o outro e “colaram” os lábios.

Eles tinham simplesmente se beijando de tal maneira que Jack quase não faz comigo, ele sempre me dá apenas selinho e nela esse beijo de cinema?

Eu congelei a ver aquela sena. Fiquei um bom tempo ali, parecendo uma idiota, parada, vendo aquilo.

Eu pisquei os olhos para ver se eu não estava tendo, sei lá, uma visão?

Mas não, era realmente real.

Aquilo estava acontecendo, eu só não queria acreditar.

Outra pessoa teria ido lá e arrancado os cabelos louros de Selena, mas não eu, a única coisa que eu fiz foi virar para trás e fingir que não viu, eu não iria armar um barraco no shopping, armar barraco nem faz meu tipo.

Como eu pude ser tão burra a ponto de não ver que o cara mais gato da escola não queria nada comigo? Como eu não pude ver que eu nunca seria amiga de uma garota como Selena? Como?

E bem que Charlotte tentou me avisar, mas eu, bem, eu nem liguei, e quem passou por mentirosa foi ela.

E em pensar que agora eu não tenho mais nenhum amigo, já que Lucas não pode me ouvir.

Eu respirei fundo saí correndo do shopping deixando os presentes na mesa do Mc’donalds.

A chuva caia forte lá fora, eu procurei a carteira para pegar um táxi, mas vi que eu tinha esquecido junto com os presentes. De jeito nenhum eu voltaria lá.

Então eu decidi ir andando na chuva mesmo.

O caminho do shopping até minha casa nunca pareceu ser tão longe.

Eu estava tremendo de frio e não tinha nenhum casaco pra me confortar. Mas eu ainda preferiria um amigo a um casaco.

A chuva batia forte e fria no meu rosto se misturando as lágrimas de raiva.

- Droga! – Gritei quando um carro passou e jogou água em mim me molhando dos pés aos cabelos.

Parecia que essa era a minha semana do azar. Tudo de ruim estava acontecendo, tudo.

Bem, eu só espero que esse azar não dure muito.

Eu passei novamente em frente a pracinha, agora vazia, com a chuva todos tinham ido embora. Eu não parei ali, a chuva estava muito forte e minha roupa não era apropriada para o frio de última hora.

De repente eu comecei a sentir que alguém me seguia.

Olhei para traz.

Nada.

Para os lados.

Nada.

Eu continuei andando, sem olhar para traz agora.

Finalmente cheguei em minha rua, olhei no relógio e eram 22h45min. Minha mãe vai me dar uma bronca, tenho certeza. Pensei.

Pra minha sorte quando eu cheguei em casa totalmente encharcada minha mãe estava na sala de estar esticada no sofá falando ao telefone, provavelmente, com alguma amiga ou um promoter de festas.

Eu aproveitei a distração dela e passei para o meu quarto sem ela ver.

Eu fui diretamente para o banheiro e tomei um banho quentinho na esperança de conseguir relaxar, o que não aconteceu.

Vesti o meu pijama mais confortável e sentei na minha cama com a cabeça escondida entre os joelhos.

Tudo que eu queria agora era um amigo.

Alguém com quem eu pudesse dividir os problemas.

Alguém que me apoiasse. Que me desse conselhos.

Alguém que fosse meu amigo de verdade, sem nenhum interesse.

Mas parece que eu sou a pessoa mais azarenta do mundo quando o assunto é amigos.

Agora a minha única esperança de ter um amigo é Lucas.

Toda vez que eu me lembro dele meus olhos enchem de água, e dessa vez não foi diferente.

Eu realmente não entendo porque isso tudo está acontecendo logo comigo.

Tudo bem que eu não sou a filhinha perfeita, mas também não sou a adolescente rebelde.

E agora minha vida estava totalmente acabada, Lucas em coma, Jack e Selena me traindo. O que mais faltava pra eu pular de um prédio?

Ah, claro. Faltava eu não precisar pular alguém me jogar de lá.

Até que não seria tão ruim.

Se Lucas... Não ficar aqui eu, provavelmente, não vai precisar que alguém me jogue para eu cair de um prédio.

Com certeza a dor de uma perda é muito maior do que uma dor física. Eu prefiro mil vezes morrer a ver alguém que eu amo muito morrer.

Eu não queria pensar em perder Lucas, isso só me deixaria ainda mais pra baixo. Apesar de que nada nesse mundo poderia me animar nesse momento.

Mas agora o que eu mais sentia era raiva, eu sei que não se pode sentir esse tipo de coisa, que isso só nos deixa mais tristes e nervosos, mas quando sua melhor amiga rouba seu namorado você não consegue controlar seu sentimento de raiva.

Eu ainda não acreditava que Jack e Selena tinham feito isso comigo, que sempre os tratei tão bem.

Pelo jeito eles são ótimos atores e souberam muito bem se fazer de meus amigos, e eu, tão tonta, caí como um patinho no truque deles.

E tudo que Jack fez? Todos os “Oi amor” que ele disse? Era tudo falso!

Como eu não pude ver que garotas como eu não são amigas de garotas como Selena, e muito menos namoradas de caras como o Jack?

Bem, agora Selena vai ter o par pro baile que ela tanto queria, ou melhor, o namorado que ela tanto queria. Porque amanhã mesmo eu vou ter uma conversinha com os dois, que provavelmente vão negar.

Mas não vai adiantar, porque eu já vi.

Por que eu simplismente não escutei Lucas quando ele disse que Jack não era o cara certo pra mim? E Charlotte? Coitada, eu pensei que a mentirosa era ela!

Será que todo mundo sabia de Jack e Selena menos eu?

É bem provável que eu esteja sendo chamada de tonta pelos outros.

E são nessas horas de desespero que você procura um amigo.

Acho que até alguém com muitos amigos se sentiria só numa situação dessas.

Eu nunca imaginei que nada disso fosse acontecer um dia.

E de repente, BU! Tudo que era pesadelo vira realidade.

Bem que eu queria que isso tudo fosse apenas um sonho ruim, um pesadelo, e que logo, logo eu acordaria e abraçaria Lucas, que Jack e Selena nunca tinham me traído e que eu ainda tinha meus três bons amigos.

Mas eu sabia que isso não era um pesadelo, e eu não precisava que ninguém me beliscasse para saber disso.

Estava na cara. Eu só não podia enxergar. Eu não podia acreditar.

Talvez porque eu gostasse da mentira, do faz de conta.

Porque na minha realidade eu não sou a princesa, eu sou apenas a Letícia que ninguém conhece a menina que não tem amigos, que foi traída, que está à beira de perder o último amigo.

Tudo que eu queria agora era Lucas do meu lado, meu único amigo.

O único que me restou.

- Não chore. – Uma voz falou.

0 comentários: