Personalie

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010


CAP. 15 – Vazio

O “Letícia” que eu ouvia na voz do meu anjo foi mudando para uma voz diferente, mas conhecida. Agora era meu pai que me chamava. Mas não era ele quem eu procurava.

Tentei chamar por ele mais uma vez, agora, mais alto do que nunca.

- FREDERIC!

O grito só serviu para uma coisa: Acordar-me de vez.

Abri os olhos, ainda ofegante de tanto gritar, pelo que parecia, eu não gritava apenas no sonho.

Meus olhos, ainda assustados, fitavam o cobertor bege que cobria minhas pernas. Eu não sabia como, mas estava deitada na cama.

Alguém mexia no meu cabelo e deslizava os dedos sob algo dolorido em minha testa.

- Filha? – Perguntou, provavelmente, o dono da mão. – Você está bem?

Eu ia responder que sim. Mas um soluço ecoou de mim antes que eu pudesse formatar as palavras.

Eu estava chorando.

Sem limpar os olhos, sem ter a mínima idéia do meu estado, levantei os olhos na direção da única pessoa que me chamava de “filha”. Meu pai.

Ao lado dele, estava vovó. Os dois com rostos preocupados esperando alguma resposta minha.

Percebi que já era dia, a janela estava aberta e iluminava e arejava todo o quarto. Também avistei uma maleta de primeiros socorros caseira do lado dos meus pés cobertos.

Só então me toquei que a dor na testa devia ser em conseqüência da batida forte contra a parede no dia anterior, tentando impedir que Frederic fosse embora.

- Vou pegar um copo d’água para ela. – Vovó disse baixinho.

Meu pai apenas concordou com a cabeça. Quando vovó não estava mais no quarto, ele começou a falar.

- O está acontecendo, querida? – Perguntou ele, não mais com as no meu cabelo, agora estavam sobre os seus joelhos.

A expressão dele exigia uma resposta verdadeira.

Eu confiava muito no meu pai, mas não podia contar a ele sobre Frederic, até porque ele nem se quer acreditaria! Afinal, quem iria acreditar em anjos tão concretamente em pleno século XXI? Nem eu mesma acreditava antes de Frederic aparecer e mudar tudo em minha vida...

- N-nada. – Menti.

Eu já não chorava tanto, o susto parecia ter passado, mas eu continuava mais triste do que nunca.

- Hum... É algum... garoto? – Perguntou ele constrangido.

- N... – Tentei responder, mas antes ele me interrompeu.

- Lê, você sabe que pode me contar essas coisas... Seja lá quem for esse Frederic e...

- O quê? – Arregalei os olhos.

Como ele sabia sobre Frederic?!

- Bom, você falava muito o nome dele enquanto dormia.

Ah, que ótimo. Denunciada pelos meus sonhos.

- E-eu... Não conheço nenhum Fre-deric.

Depois de um suspiro ele levantou-se e disse:

- Tudo bem.

Vovó entrou no quarto com a minha água.

- Aqui está. – Disse ela me entregando o copo.

Agradeci e bebi um gole.

- Acho que a deixei um pouco... agitada ontem. – vovó falou ao meu pai - Pode levá-la para casa, Victor. A enfermeira já está aí, mesmo que eu não vá precisar dela.

- Sim, acho que a Letícia também deve está querendo ir para casa... Amanhã é o baile de fim de ano da escola dela e ainda tenho que passar na diretoria do Campus para pegar as notas finais dela que saem hoje. – Respondeu papai.

Assim que ouvi “notas finais” engasguei com a água. Mas eles – quero dizer, vovó e papai – não perceberam porque estavam entretidos demais na conversa deles.

- Ah, me ligue para avisar que minha neta vai para o último ano no ano que vem! - É. Eu nunca tinha me preocupado com as minhas notas, não é agora, com problemas maiores que eu vou me preocupar com isso... - E não se esqueça de me mandar notícias sobre o meu net... o Lucas.

- Tudo bem, mãe, ela sabe da história. - Falou papai.

Pelo jeito vovó já estava por dentro da história sobre Lucas.

- Uuh... Não quero nem pensar o que a cobra da sua esposa vai falar quando descobrir.

- Mãe, não fale assim da Lúcia.

- Ah, querido, você sabe que eu nunca gostei daquela cobr...

- Mamãe... A sua neta. – Advertiu meu pai. Mas eu não ligava para o fato de vovó não ir com a cara da mamãe, metade do planeta também não ia.

Ela apenas fez uma cara de quem não estava nem ai.

A conversinha deles durou até a última gota do meu copo de água. Então papai desceu as escadas para me esperar lá embaixo. Foi aí, a vez da conversa com a vovó:

- Desculpe se lhe assustei com a história do... Frederic.

Engoli em seco.

- N-não... Tudo bem.

Ela sorriu e beijou o topo da minha testa.

- Uau, isso deve estar doendo! – Disse ela.

- Um pouco... – Menti. A dor aumentava a cada minuto, mas não se comparava a dor de dentro.

- Bom, vou descer e deixar você se arrumar. Sei que deve estar louca para voltar a “civilização”!

Eu ri. Uma das coisas que eu mais gostava em vovó, era o jeito divertido dela, o jeito que ela me fazia rir mesmo quando isso era a última coisa que eu queria fazer no mundo.

Ela virou as costas e, com o braço bom, abriu a porta, fechando-a assim que passou por ela.

Vazio.

De agora em diante seria assim... Vazio.

Dentro de mim, eu seria como um quarto vazio. Os quadros pendurados nas paredes seriam os retratos das lembranças, a porta e as janelas seriam a chance de povoar a minha vida outra vez, mas isso seria difícil, pois essas janelas e essa porta estavam trancafiadas e eu não sabia onde a chave estava... Assim como eu não sabia por onde o meu Frederic andava.

Não teria mais aquela pessoa, ou melhor, aquele anjo, todos os dias no meu quarto, completando o espaço vazio.

Ele se fora, e de agora em diante, não seria mais nada. Só o vazio.

Dormi no caminho de volta quase todo. Estava cansada. Mesmo tendo dormido quase doze horas, parecia que fazia tempos que eu não pregava os olhos. O sonho da noite anterior tinha sido o melhor da minha vida em uma parte, o pior em outra, mas com certeza, foi o mais longo e mais cansativo.

Bom, mas eu fiquei muito feliz por lembrar do sonho... Não me conformaria em esquecer o beijo de Frederic, o toque macio de sua pele, o seu olhar violeta. Tudo tinha sido perfeito demais para ser esquecido em um despertar, mas um final de despedida foi o bastante para transformar as lágrimas que eu derramava sorrateiramente no caminho de volta em lágrimas de tristeza, e não de felicidade.

- Acordou? – Perguntou meu pai, olhando rapidamente para mim pelo espelhinho do carro que até hoje eu ainda não sei o nome.

Só havia nós dois no carro. Ele dirigindo, e eu deitada no banco do fundo da SW4 que antes era dirigida por Lucas.

Minha resposta foi um bocejo acompanhado de um “sim”.

- Ah, obrigado por ficar esse tempinho com a sua avó. – Começou papai. - Acho que agora que você voltou, posso dizer que o braço dela foi apenas um pretexto para te empurrar um pouquinho para Boa Vista.

Ouvi ele rir, então os olhos verdes dele percorreram o espelhinho mais uma vez para ver a minha expressão.

- Tudo bem... Eu estava com saudades dela. – Respondi enquanto fitava os detalhes do modo de dirigir do meu pai, lembrando do modo que como Lucas dirige e comparando os dois.

Incrível como eram parecidos! Até a mania de bater os três dedos no volante a cada minuto era a mesma!

- Ela também sente a sua falta. – Disse ele ao mesmo tempo em que batia os três dedos no volante mais uma vez, prendendo a minha atenção.

Não respondi ao comentário, nem voltei a dormir.

Um tempinho depois, papai voltou a puxar assunto.

- Então, está com saudades do seu irmão?

- Do Lucas? – Perguntei ainda incrédula com o fato de o meu pai ter se referido a Lucas como meu irmão, era a primeira vez que ele fazia isso!

- Sim.

- Ah... Uau! É a primeira vez que você se referir a ele como... Como meu irmão.

Pelo espelhinho, vi ele sorrir.

- Bom, acho que de agora em diante é assim que deve ser. Afinal, ele é meu filho e você também. Vocês são irmãos, Letícia.

Sorri também. Era bom ver que ele estava de bem com esse fato.

- Sim, estou morrendo de saudades do MEU IRMÃO! Não vejo a hora de ir visitá-lo hoje! – Respondi. – Mas... Pai, quando você e Clarisse pretendem contar isso a ele? Que ele é meu irmão e tal. – Perguntei.

- Isso vai ser bem... Complicado. Vamos esperar ele se recuperar primeiro... Talvez daqui a alguns meses...

- MESES?

- Tente entender, querida. Ele ainda está se recuperando, não podemos abalar a mente dele com um choque assim, não agora.

Suspirei. Eles sabiam o que estavam fazendo...

Peguei o meu MP4 e passei o pouco que restava da viajem ouvindo música.

Chegamos em casa antes da hora do almoço.

Passei pela porta e fui logo em direção a escada que me levaria ao meu quarto (meu refúgio). Mas tive que voltar quando ouvi minha mãe gritar:

- Letícia, tem visita para você!

- Oi mãe. – Falei enquanto tirava os fones do ouvido. Se ela não tinha a compaixão de dar um “oi” para a filha depois de um dia sem vê-la, eu, pelo menos, teria que tentar dar o meu exemplo (mesmo que ela não fosse segui-lo). Quando vi que ela nem se quer tinha notado a minha tentativa de dar um “oi” antes de falar sobre qualquer outra coisa, resolvi entrar no assunto dela - Para mim?

- Sim. – Ela sorriu e desviou o olhar para a entrada da sala.

- Quem é? – Perguntei enquanto descia as escadas preguiçosamente.

Com mais um sorriso, ela abaixou o tom de voz e respondeu:

- Jackson.

Revirei os olhos e dei meia volta em direção ao meu quarto, agora, mais rapidamente.

- Letícia, volte aqui! – Gritou mamãe.

- Sem chance. – Respondi sem olhar para trás.

Ouvi alguns passos novos, então, ouvi outra voz:

- Pode deixar, Sr. Xavier. Ela vai acabar falando comigo. – Voz fútil. Era ele: Jack.

- Oh, querido, pode me chamar apenas de Lúcia. Desculpe pela Letícia...– Minha mãe falava com Jack com a voz mais doce do mundo, não entendia como ele conseguia fazer com que ela fosse tão generosa com ele... Ah, entendia: O pai dele era político. – Aliás... Por que não aceita almoçar conosco como desculpas?

- É lasanha? – Perguntou ele rapidamente, mas eu sabia que ele não estava interessando na comida, e sim em me provocar.

- Sim. Passei na cozinha e conferi que estava cheia de queijo!

- Hmmm, acho que vou aceitar. – Era só eu que ouvia a provocação na voz dele?

Eu não estava agüentando mais aquela farsa de Jack. Ele se fazendo de bonzinho, e a minha própria mãe no papinho dele. Juntei isso com toda o meu descontrole por não ter mais o meu anjo, e com a raiva que agora eu sentia por Jack e Selena, não só pelo fato de eles terem me traído, mas também porque me abandonaram no momento em que eu mais precisava de amigos, e foi por causa desse abandono que Frederic surgira em minha vida.

Se Jack e Selena nunca tivessem me traído, eu teria passado pelo problema de Lucas sem a ajuda de um anjo, porque eu teria tido amigos. Mas não, eles me traíram... E foi preciso alguém do outro mundo me ajudar. E esse alguém eu nunca mais iria ver. Nunca mais teria notícias. Talvez tivesse sido melhor se Frederic nunca tivesse aparecido. Assim eu não teria que passar pela dor de sua perda e, acredite, essa dor era muito pior agora do que a dor de ver Lucas na UTI ou a dor de ter sido traída. E eu sabia muito bem porque isso estava doendo tanto...

Eu tinha perdido o amor da minha vida.

Ou melhor, o meu amor.

Eu já estava na ponta da escada. Imaginei o olhar sonso de Jack lá em baixo e não resistir em jogar para ele o meu olhar furioso.

Mas só isso não bastava. Eu precisava falar.

- Jackson, o que há com você? – Comecei. Eu não estava prestando atenção no que eu estava falando, apenas falava o que vinha na cabeça. Tanto Jack, como minha mãe me encaravam incrédulos. Continuei: - Já não basta ter me traído com a Selena, que eu pensava ser a minha melhor amiga? Não basta ter me abandonado quando eu mais precisei? Agora, o que você quer? Quer acabar comigo de vez? É isso? Porque se for, eu tenho uma boa notícia pra te dar: Eu já estou acabada.

O tempo em que fiquei ali, parada, olhando os rostos surpresos de Jack e mamãe, pareceu uma eternidade. Por um momento achei que estivesse vendo um filme... Tudo que tinha acontecido no decorrer do último mês até agora. Achei até que estivesse vendo Selena, Lucas e até Frederic escada abaixo. Mas eu sabia que eles não estavam ali. Eram apenas as lembranças. Algumas boas, como as que eu tinha das tarde com Frederic na pracinha. Ou, como as lembranças das vezes em que Lucas me levava para a escola e me fazia dar o primeiro sorriso do dia.

Só que, algumas dessas lembrança nunca iriam se repetir. E uma dessas pessoas – ou melhor dizendo, anjo – eu nunca mais iria voltar a ver na minha vida. E foi isso que me fez derramar lágrimas.

- Sr. Xa... Ops, Lúcia, acabei de lembrar que tenho um compromisso para agora. – Jack falava apenas com a minha mãe, mas os olhos dele estavam voltados para mim. Pelo jeito ele havia entendido a minha mudança de humor. – Não poderei ficar para almoçar.

Suspirei. Sem a provocação de Jack, eu ficaria com um atormento a menos.

- Ora essa! Não ligue para a Letícia agora. Ela acabou de chegar de viajem, sempre fica assim depois de voltar da casa da bruxa! – O tom de voz da minha mãe era alto o bastante para que eu pudesse ouvir, e era isso que ela queria: que eu ouvisse. Mamãe (não sei porque ainda a chamava assim, não era esse o papel que ela vinha fazendo desde que o meu pai entrou para a política) virou-se para mim com um olhar de quem cobrava alguma coisa – Aposto que a Letícia adoraria ter você na mesa, ela é quem mais te deve desculpas.

Revirei os olhos.

- Na verdade, não. – Começou Jack – Eu é quem devo desculpas a ela. Eu tive a chance de ficar com ela, mas desperdicei. – Ele abaixou a cabeça, então, continuou – Eu só queria que ela soubesse que eu estou arrependido do que fiz.

Eu apenas fiquei parada por um tempo. Jack voltou a olhar para mim. Ele parecia tão sincero como no dia em que havia me beijado na escola, só que dessa vez, eu sabia que ele não ia me forçar a nada. Era como se ele tivesse mostrando isso no momento em que jogou fora a oportunidade de passar o almoço me atormentando com aqueles cílios imensos e o sorriso sínico que só ele tinha.

- Mãe... – Chamei. Ela já estava olhando para mim, apenas acenou com a cabeça para mostrar que estava prestando atenção no que eu ia falar. Mas em vez de falar, apenas desviei os olhos para a sala, e ela rapidamente entendeu que eu queria que ela me deixasse a sós com Jack.

A reação dela foi a que eu esperava: um sorriso.

- Bom... Vou dar uma última olhada no almoço. As moças da cozinha param demais para fofocar, tenho que ficar no pé. – Disse ela, obedecendo ao meu pedido. Antes de sair, ela ainda jogou uma piscadela para mim e outra para Jack.

Larguei a mochila na escada e desci os degraus me escorando no corre-mão.

- Vai me perdoar? – Perguntou Jack assim que eu cheguei ao primeiro degrau da escada.

- Hum... Acho que perdoar é legal. – Respondi.

Ele sorriu.

- E vai me dar uma segunda chance? – O certo seria dizer “pediu” ou “perguntou”? Bom. Acho que isso foi um pedido.

- Não. Isso não. – Respondi rapidamente.

Os olhos dele caíram e o ouvi resmungar algo como “Que droga!”.

Pensei por um instante. Frederic não iria voltar, e eu não podia parar a minha vida. Claro que eu nunca iria esquecer dele, nem mesmo imaginava amar alguém de novo... Mas mesmo assim, eu não podia usar Jack apenas para esquecer um anjo. E além do mais, eu não queria mais nada com Jack. Bom, talvez...

- Amigos? – Perguntei enquanto estendia a mão com um sorriso que eu nunca pensei dá a Jack.

Ele olhou a minha mão no ar por um tempo, e à medida que os segundos passavam, eu ia me arrependendo de ter feito essa proposta.

Por um momento, até pensei que ele fosse aceitar a minha amizade com um sorriso no rosto.

Mas não foi isso que ele fez...

- Não. – Respondeu Jack friamente. Os olhos dele pareciam mais furiosos com a proposta de amizade do que com o pedido de “volta” recusado.

Voltei a mão para perto de mim.

- Tudo bem. – Falei – Sinto muito. Eu realmente estava querendo ser sua amiga.

- Desculpe. Não posso ser apenas o seu amigo. Vai contra o meu orgulho.

Dizendo isso, Jack virou as costas, abriu a porta e se foi.

Como eu já imaginava, mamãe estava por perto ouvindo a conversa.

Portanto, não fiquei nem um pouco surpresa quando vi aparecer de repente vomitando as palavras.

- Letícia! Como pôde recusar o pedido de Jack? Ele é um gato! – Disse ela.

- Fique com ele e descubra o idiota que ele é. – Falei. Eu ainda estava chateada com a reação dele em relação ao meu pedido de amizade.

- Não seja boba, menina! – Resmungou Lúcia - Mas o garoto disse que estava arrependido!

- Mamãe, se ele estivesse arrependido e gostasse mesmo de mim, aceitaria a minha amizade. – Depois de um tempo esperando mamãe absorver a minha decisão, falei – Vou subir e tomar um banho, depois do almoço vou visitar o Lucas.

- Lucas! Lucas! Lucas! – Lúcia saiu reclamando em direção a cozinha, a ouvi repetir o nome de Lucas com desdém até ela ficar longe o bastante a ponto de eu não escutar mais a sua voz.

Quando o som do silêncio predominou, voltei a subir as escadas. Peguei a mochila que eu havia deixado em um dos degraus e me dirigi ao meu quarto.

Era estranho como o quarto parecia diferente. Sombrio até.

As paredes brancas com detalhes lilás não eram mais tão claras, e nem a janela aberta conseguia iluminar o ambiente. O silêncio chegava a ser assustador.

Tentei ignorar a diferença que a ausência de Frederic havia causado, mas não estava dando certo.

Larguei a mochila em cima da cama e liguei o computador. Conectei o MP4 ao PC e coloquei as caixinhas de som no volume máximo.

O mal estar estava me matando, eu não conseguiria ficar naquele quarto por muito tempo. Era lá onde eu passava a maior parte do tempo com Frederic, e lembrar-me dele não estava me fazendo bem.

Eu tinha que esquecê-lo.

Mas não era isso que eu queria.

O que eu devia mesmo era me lembrar dele como se ele fosse algo irreal, apenas fruto da minha imaginação. Mas eu sabia – bom, acho que sim – que ele não era fruto da minha imaginação, e mesmo se fosse, o que eu sentia – Frederic sendo real ou não – era verdadeiro.

E eu continuava amando-o mesmo sem ele por perto.

Tomei o meu banho e desci para almoçar.

Almoço monótono.

Era hora de ir visitar Lucas.

Meu pai não pôde ir ao hospital comigo, pois recebeu uma ligação de última hora da câmara municipal pedindo a sua presença em uma reunião. Então, ele apenas me deixou na porta do hospital.

- Boa tarde, Clarisse! – Falei assim que a vi na recepção do hospital, tomando um suco.

- Boa tarde, Letícia! Que bom que veio! Lucas está louco para vê-la.

- Eu também estou com saudades dele. – Falei – Posso ir para o quarto agora?

- Ah, pode sim, querida! Você já sabe o caminho?

- Sei sim, Clarisse. Até mais!

Passei rapidamente pelos corredores do hospital, dando “Boa tarde” a todos que eu encontrava no caminho.

A porta do quarto estava fechada. Bati uma vez, mas ninguém respondeu.

Estranhei, mas mesmo assim arrisquei abrir a porta.

Daí veio o susto:

O quarto estava vazio. A cama bagunçada. E a janela aberta.

Engraçado como sempre pensamos besteiras nas horas de pânico, não?

Por sorte, logo ouvi a voz de Lucas atrás de mim.

- ... tudo bem, é melhor andar do que ficar sentado o dia todo. – Falava ele.

Virei as costas e vi Lucas apoiado em uma daquelas muletas, acompanhado por uma enfermeira jovem e bonita.

- Lucas! Que susto você me deu, não sabia que já estava passeando pelo hospital.

- Letícia! – Exclamou ele ao me ver – Que bom que veio! Pois é... Insisti que a Luiza me levasse para dar uma volta hoje, estava cansado de tanto ficar na cama. A única coisa ruim nisso, é que eu tenho que levar esse soro para todos os lugares.

- Olá, você é a tão famosa Letícia? – Disse a enfermeira de boa aparência. Ela parecia ser simpática. Cabelos louros presos em uma poupa, típico uniforme branco e um sorriso que deixaria qualquer paciente de bom humor.

- Olá. Você é...

- Luiza Bonfim. Estou cuidando do seu irmão.

Franzi a testa e olhei para Lucas que me respondeu com uma piscadinha de olho.

- Ah... Claro.

- Então... Vou colocar o Lucas e o soro dele no lugar certo e deixarei vocês em paz. – Disse a enfermeira sorridente.

Sai do caminho para que ela acomodasse Lucas no lugar certo.

Ele parecia 100% melhor.

Claramente ainda não tinha forças para andar sem as muletas, mas já parecia ter recuperado a sua cor normal.

A enfermeira saiu deixando Lucas e o soro nos seus devidos lugares.

- A Luiza parece ser bem legal. – Comentei enquanto arrastava uma cadeira para mais perto da cama de Lucas.

- Sim, ela é. – Disse ele – Não comente nada, mas assim que eu sair daqui vou convidá-la para jantar.

- Uau. Pode deixar que eu não vou comentar nada.

- Acha que ela vai aceitar?

- É lógico! – Respondi.

- Maravilha! – Lucas esfregou as mãos, animado.

- É bom ver que está se recuperando bem.

O tom da minha voz estava desanimado, ao contrário da voz de Lucas.

Não fiquei surpresa quando ele percebeu isso.

- Ei, o que há com você? – Perguntou.

- Você não iria acreditar... – Respondi – É meio... complicado.

- Hum... Não posso saber nem o básico?

Pensei por um minuto.

- Bom... Estou querendo esquecer alguém.

Ele mordeu os lábios e percebi que ele estava pensando.

- Esse alguém seria Jack?

- Não.

- Uau, eu fiquei tanto tempo fora? – Lucas riu.

- Para mim, sim. – Respondi.

- Então, Lê... Não quer me contar sobre esse “novo amor”?

Fiz uma careta.

- É um amor impossível. – Eu disse.

Depois de um tempinho absorvendo o comentário, Lucas voltou a falar:

- Eu passei quase um mês mergulhado no mundo dos sonhos e pesadelos. Lembrei de coisas que eu havia esquecido a tempos, e posso te jurar que vi um anjo de olhos de violeta e...

- O QUE? Você viu um anjo de olhos de violeta nos seus sonhos? – Perguntei eufórica.

Ele me olhou torto, então, respondeu desconfiado:

- Bom... Eu não consegui ver o rosto dele. Só me lembro dos olhos... Foi isso que ele disse: que era um anjo. Ah! Ele falou de você.

Eu sorri.

- O que ele disse sobre mim?

- Não me lembro muito bem... Mas foi algo como “Não deixe a Letícia, ela gosta muito de você”. Isso foi quando eu estava quase desistindo, indo até a luz.

Eu não estava entendo muito bem o que ele queria dizer com isso. Mas parecia que Frederic havia pedido para Lucas ficar por mim no momento em que ele estava quase desistindo de viver.

- Por que tanta curiosidade nisso? – Perguntou Lucas com o mesmo tom desconfiado de antes.

- Nada... É só que eu acredito em anjos. Não ria.

Ele não riu.

- Eu não acreditava até esse sonho. Agora acredito. Fico pensando se todos eles tem olhos de violeta...

- Não, não... Os anjos tem a mesma forma física de quando eram humanos. Qualquer um pode morrer para salvar alguém e se tornar um anjo. – Tagarelei. Só depois percebi o olhar assustado de Lucas – Bom... Foi isso que eu li na internet.

- Acho que você deve parar de ler ficção. Está ficando maluca. – Zombou Lucas.

- Não seja bobo. – Eu ri.

- Está vendo? Consegui fazer você rir! – Disse ele como se tivesse marcado um gol em plena copa do mundo.

- Você sempre consegue isso! – Ri novamente.

Era legal estar com Lucas. Ele amenizava a dor da perda de Frederic assim como Frederic amenizava a dor a da ausência de Lucas.

Mas eu tinha que admitir que a dor da ausência de Frederic estava sendo mais forte. Porque ela atingia uma parte do meu coração que eu nunca tinha sentido: a parte da paixão.

Eu e Lucas ficamos conversando até o horário de visita acabar.

Me despedi dele e fiquei pensando no que eu iria fazer agora.

Uma estranha vontade de ir até a pracinha apareceu, e eu segui essa vontade.

De pé mesmo, fui até a pracinha.

Parei no meio do caminho para tomar um sorvete.

Nesse dia estava quente em Conquista.

Pensei sobre a escola enquanto tomava o meu sorvete, sentada sozinha em um dos banquinhos da praça.

No dia seguinte seria a Festa de Fim de Ano. Eu não tinha mais a mínima vontade de ir, mas sabia que mamãe me obrigaria.

O boletim seria pego hoje. Eu sabia que já tinha passado, pois na terceira unidade eu já tinha completado os 28 pontos obrigatórios de cada matéria.

Provavelmente, a escola ligaria para a minha casa amanhã pedindo que eu fosse ajudar na arrumação. Todo ano era assim.

Nos anos anteriores havia sido divertido. Jack e Selena ainda eram meus amigos, e eu acabava me divertindo com eles e os meus outros colegas enquanto arrumava o ginásio da escola.

Mas agora eu não tinha amigos, nem na escola, nem fora dela. Quer dizer, eu tinha Lucas, mas ele ainda estava no hospital.

Oh... Se Frederic não tivesse ido embora...

- Ei. – Uma voz me chamou.

Frederic? Era ele?

Me virei com um enorme sorriso – provavelmente sujo de sorvete de chocolate – e logo tive a decepção.

- Quer comprar um algodão doce? – Perguntou o homem que havia me chamado antes.

- Oh, não. Obrigada. – Respondi decepcionada.

Eu teria que me acostumar com o vazio.

Frederic não voltaria.

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