Personalie

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

CAP 9 – Espera & Medo

Eu sabia o que eu esperava e o que eu temia.

Eu esperava por Lucas de volta.

Eu temia perder o meu anjo.

Eu não sabia se queria que o tempo passasse ou parasse.

Eu tentava viver feliz cada momento ao lado do meu anjo; e tentava esquecer do tempo ao lembrar de Lucas.

Indecisão. Era isso. Eu não estava pronta para decidir.

Eu não queria uma escolha. Eu queria os dois.

Eu e o anjo sabíamos que ele não poderia ficar por muito tempo, logo ele teria que partir para levar felicidade à outra pessoa viva necessitada, como eu era.

Eu me sentia completamente diferente de antes de conhecer o anjo. O jeito como encarar as coisas... Acho que até mudei o meu jeito meio estressado para algo mais sereno.

Tudo em nós dois parecia combinar, ele sempre me ajudava, até na prova de história que eu tirei dez por causa dele. Eu estava sentindo algo muito forte por ele, e eu sentia que ele também sentia o mesmo por mim.

Era um grande carinho, uma amizade maior. Algo que eu não sabia explicar.

O tempo parecia passar cada vez mais rápido quando estava com o anjo, e cada vez mais devagar quando ficava no hospital com Lucas.

Já se fazia quase três semanas desde que o Anjo me falou que teria que partir, e agora tento esquecer isso e ser feliz, não perder tempo.

Como dizia o anjo: “o tempo enxugará suas lágrimas...”

Ele estava certo. A cada dia com ele eu fico mais forte, mas também fico menos esperançosa em relação a Lucas.

O que eu não sabia é se eu conseguiria ser feliz quando ele voltasse, isso, claro, se eu já tiver descoberto sobre a vida do anjo, assim nossas missões estariam cumpridas e ele não precisaria mais ficar aqui comigo.

Enquanto nada acontecia, eu ia levando a vida aceitando os fatos, ou pelo menos, tentando aceitar os fatos.

Entre as semanas, eu tinha visto Jack e Selena juntos, pelo visto eles tinham voltado, ou melhor, começaram de verdade. As pessoas estavam comentando um namoro sério entre eles, mas eu não sabia se era verdade. Nem me importava com isso. Jack e Selena eram baralhos fora do jogo no momento.

A bala já havia sido retirada da cabeça de Lucas, os médicos tinha dito que agora nos restava esperar que ele acordasse, mas já se faziam vinte e dois dias, e até o momento.. nada.

- Letícia? – Chamou o anjo, me trazendo de volta ao mundo real.

Nós estávamos na sala assistindo a um filme que eu não sabia nem o nome por não estar prestando atenção.

- O que disse? - Perguntei franzindo a testa.

- Tem algo errado? Já é a quarta vez que eu falo com você e só agora você me respondeu.

- Oh, desculpe. Não, não há nada errado comigo, não se preocupe – Garanti.

Ele flutuou do chão até o sofá, onde eu estava deitada. Eu já estava acostumada com isso, quero dizer, ele flutuando e atravessando coisas por aí...

- Tem alguma coisa errada sim, você não me engana.

Eu bufei.

- Tudo bem, eu... estava pensando c-como o tempo está passando rápido – sussurrei a última palavra. – Não sei... cada dia está mais perto de Lucas voltar, mas ao mesmo tempo a sua partida se aproxima também. Eu não sei se devo ficar triste ou feliz.

Eu retomei o fôlego. Ele demorou um pouco para responder.

- Fique feliz, faça isso por mim – Ele sorriu levemente e voltou ao chão.

Terminamos de assistir o filme, quer dizer, ele terminou de assistir o filme porque eu não estava prestando atenção.

Tinha uma semana que as minhas aulas haviam terminado, então, nada de dever de casa. Agora era só esperar até a quinta-feira, quando os boletins seriam entregues, e depois, a sexta, quando aconteceria o baile de fim de ano. Depois disso, eu estaria livre do CAMPUS por dois meses inteiros, até voltar novamente em fevereiro, dessa vez, no último ano.

O anjo propôs um passeio na pracinha, e eu concordei. Nada melhor que caminhar na pracinha e ver o pôr do sol.

Como não era muito longe, fomos de pé mesmo.

Como sempre, a pracinha estava lotada, esse era o horário que as crianças iam embora e os casais chegavam.

Eu sentei em um banquinho com o anjo ao meu lado.

- Eu gosto desse lugar – disse ele olhando ao redor – É aberto e tranqüilo, tem árvores, pássaros... É um lugar bem... romântico.

- É, eu também gosto daqui. Tenho boas lembranças. – concordei

- Não quer dividir essas lembranças comigo?

Eu corei um pouco, partes dessas lembranças eram da minha infância, mas também tinha a parte que envolvia Jack.

- Eu brincava aqui quando era criança – sorri encontrando o olhar de violeta dele, ele me observava, parecia interessado em saber o que eu ia contar – E também passei uns momentos aqui com... Jack

Assim que eu toquei no nome de Jack os olhos dele fugiram dos meus e foram encarar as árvores novamente.

- Você e ele reagiam ‘daquele’ jeito? – Perguntou ele apontando para um casal encostado em uma das árvores que se beijavam meio... desesperadamente.

Eu corei de olhos arregalados com a pergunta dele.

- Oh, n-não, Jack era... mais cuidadoso. – Gaguejei.

- Imagino. Do jeito que ele te beijou naquele dia na cantina... Bem cuidadoso. – o tom dele era de quem não estava acreditando.

Eu estreitei meus olhos.

- Você não está acreditando em mim?

Ele começou a caminhar de lado pro outro na minha frente.

- Claro que não, eu não sou bobo.

Eu bufei.

- Urgh! E o que isso tem a ver com você? Jack era meu namorado, nada nos empatava de trocarmos carícias. – minha voz já estava ultrapassando os limites do volume.

- Você chama aquilo de carícias? – Disse ele apontando novamente para o casal encostado na árvore.

- Não necessariamente aquele tipo de carícia. Mas, mesmo assim, se fosse você não teria nada a ver com isso, minha vida amorosa não lhe diz respeito.

Ele pareceu magoado com o modo como eu dei a resposta a ele. Depois de voltar ao banco ele ficou em silêncio e com uma expressão pensativa.

- Ei, o que há de errado com você? – Perguntei, agora carinhosamente.

Ele demorou a responder.

- Eu pensei que eu interferia mais na sua vida, que eu fosse mais importante que Jack.

Eu não estava acreditando no que ele estava falando.

- Mas você É mais importante que Jack!

Ele virou o olhar para mim.

- Tem certeza? – Perguntou ele me prendendo naquele olhar violeta dele.

- C-claro – Gaguejei. Isso sempre acontece quando ele me prende com os olhos, é quase impossível pensar em outra coisa quando duas brilhantes bolas lilás seguram seus olhos como se tivessem usando super cola.

A noite já havia caído, e nós havíamos perdido o pôr do sol com essa conversa.

- Oh, já está escuro. – falei – Vamos, eu quero passar em um lugar.

- Um lugar? – Perguntou ele.

Eu balancei a cabeça positivamente.

Eu não sabia exatamente como chegar lá, eu tentava acertar o caminho de acordo com as poucas vezes que eu fui lá.

O anjo vinha atrás de mim, ele parecia confuso.

Eu tive sorte de ainda estar aberta.

- O que você vai fazer na igreja? – Perguntou o anjo.

Eu não respondi. Apenas entrei.

Estava vazia, o único barulho era o dos meus passos leves.

Caminhei até o altar.

A igreja era bonita, eu não ia lá muitas vezes, nunca tinha notado sua estrutura. O altar ela coberto por pinturas cor de ouro. No teto haviam bebês-anjos desenhados, eles tinham asinhas e cabelos enrolados como o do meu anjo, mas eu sabia que nem todos os anjo eram assim, como o meu anjo tinha explicado qualquer pessoa pode virar um anjo, basta morrer para salvar outra, e sua aparência fica conservada, não importando se essa pessoa era negra ou loura, se tinha olhos grandes ou puxados.

Mas não era para observar a arte católica que eu estava lá.

Eu queria fazer algo que eu nunca havia feito antes, pelo menos não tão sinceramente.

Eu me ajoelhei no altar e juntei minhas mãos.

- E-eu não sei como fazer isso. Eu não rezo muito – comecei – Eu também sei que o Senhor tem problemas mais importantes a resolver, mas mesmo assim vou pedir. Eu não quero perder meus dois melhores amigos. – Eu olhei para trás, o anjo me olhava incrédulo – Eu amo Lucas, e quero que ele volte. Mas também amo o meu anjo da guarda. Eu sei que é demais pedir os dois para mim, mas... sabe como é... depois de um certo tempo de convivência com alguém, você passa a depender desse alguém e quando percebe não consegue mais viver sem ele. Então eu queria pedir, por favor, me traga Lucas de volta. Me deixe ver aqueles olhinhos brilhando novamente, nem que seja pela última vez, ele é a pessoa mais importante da minha vida e por ele eu faria o que o meu anjo e os outros anjos fizeram para serem anjos, eu daria minha própria vida – Eu limpei uma lágrima que fugiu dos meus olhos – Bem, é só isso.

- Agradeça! – Sussurrou o anjo atrás de mim.

- Oh, ok. – Falei olhando o anjo. Voltei a olhar o altar – Ah, e... obrigado pelo meu anjo, ele tem sido muito importante para mim, ele tem sido um ótimo amigo, assim como Lucas.

Eu me levantei com uma sensação de dever cumprido.

- Foi muito ruim? – Perguntei ao anjo, já no caminho de volta pra casa.

- Não, você foi sincera, é isso que importa.

Eu sorri. Ficamos um tempo em silêncio.

- Uau! Olha o tamanho da lua. – Falou o anjo apontando para cima.

Eu olhei. A lua estava linda e enorme, lua cheia.

Só não entendi por que ele estava falando sobre a lua, pelo meu conhecimento, por a lua em uma conversa trás um clima romântico, e eu não acho que o meu próprio anjo da guarda esteja querendo trazer esse clima de romance para nossa conversa. Talvez ele não saiba disso.

- É, está linda. – Falei fazendo força para não gaguejar, o que eu não pude evitar foi a minha testa franzida.

- O que foi? – Perguntou ele.

- N-nada, é que é estranho você está comentando sobre... a lua.

- Só porque é romântico demais?

Eu tentei desviar o rosto corado. Eu não sei como, mas ele parecia saber sobre lua e romance.

- Você sabe sobre isso? – Perguntei olhando para ele sem querer.

- Acho que sim, veio na minha cabeça e eu disse. Pela sua expressão corada parecia que o que eu disse te constrangeu então eu deduzi que era porque eu citei sobre a lua. Acertei?

Meu queixo caiu e meu rosto corou mais ainda. Incrível como ele me conhecia!

- Bem, acho que sim – Falei tentando virar o olhar para o outro lado da rua novamente.

- E qual o problema? – Perguntou ele como se a resposta fosse óbvia.

- Hum, não sei, só é... estranho.

Ele riu.

- Ok, não vou mais falar sobre a Lua. – disse ele controlando o riso.

- Vamos passar na pracinha? Ainda está cedo. – mudei de assunto.

Ele concordou com a cabeça.

A igreja não era muito longe da praça, em pouco tempo nós estávamos sentados nos banquinhos de mármore novamente.

- Enquanto mais tarde fica, mais as pessoas ‘agem’ por aqui. – Comentou o anjo observando os casais, alguns mais ‘à vontade’, outros mais discretos.

- Anjo, nós estamos no século XXI, todo mundo se beija por aí, não é nada grave, são apenas beijos! De que tempo você veio? XIX? – Zoei.

- Você sabe que eu não me lembro. – ele fez uma pausa e olhou ao redor – Vamos embora, aqui está meio perigoso para uma garota sozinha – disse ele olhando para quatro corpulentos homens parados do outro lado da rua.

Eu não discuti.

Nós dois fomos em silêncio até a minha casa.

Quando cheguei em casa, meus pais estavam jantando juntos.

Mamãe nem sonha que eu tenho um irmão, acho que meu pai nunca vai contar a ela.

- Filha, não quer jantar conosco? – Perguntou meu pai.

- Não, não vou quebrar o romance – Pisquei pra eles.

Meus pais riram.

Eu estava com fome, mas eu não queria me sentar a mesa, então passei na geladeira e peguei um copo de coca-cola e um pacotinho de salgadinhos.

Subi as escadas do meu quarto pacientemente para não derramar meu copo cheio de coca-cola.

Quando cheguei ao quarto liguei o computador e abri uma pasta de fotos que eu tinha guardada no computador.

Comi enquanto via as fotos.

- Esse é o Lucas, certo? – Perguntou o anjo olhando a foto que eu acabara de abrir.

Na foto Lucas estava usando um óculos de sol cor de rosa, tanto eu como ele estávamos sorridentes, o sorriso dele era mais bonito.

- É, esse é o meu irmão. – Respondi me escorando na mesinha do computador, eu ficaria ali durantes horas vendo aquela foto, analisando os traços dele e tentando achar semelhanças entre nós.

Depois eu passei outra foto, uma foto do meu pai. Eu copiei a foto dele e colei ao lado da de Lucas, e fiz o mesmo, fiquei procurando semelhanças. Eu achei muitas, não só os olhos verdes, mas também o nariz afilado e até mesmo o sorriso. Lucas parecia mais com o meu pai, ou melhor, com o nosso pai do que eu. Fisicamente puxei minha mãe, olhos pequenos e escuros, cabelos ondulados e pretos.

Passei outra foto. Essa era de mim, Jack e Selena. Jack no meio, entre mim e Selena, ele estava me abraçando e Selena estava encostada nele, nós três sorridentes.

Tempos felizes...

Eu sorri olhando as fotos. O ódio que eu sentia por Jack parecia ter diminuído, agora era apenas uma pequena raiva, eu não sentia mais nada por ele, não que eu tenha sentido algo realmente forte por Jack que fosse me prender a ele, mas sempre fica aquela sombra de paixão... Mas agora, essa sombra de paixão por Jack tinha sumido, e sem isso eu não conseguia sentir ódio dele por me trair. Eu tinha meu anjo, que era bem melhor que Jack, bem mais confiável e até mais legal.

O anjo também sorriu quando me viu sorrir.

- O que foi? – Perguntei

- Nada, só fico feliz quando você está feliz. – Respondeu ele rindo de volta.

Eu corei um pouco, mas continuei sorrindo, ele também.

Eu passei outra foto, nessa eu e minha avó paterna, Anita, estávamos abraçadas na varanda da casa dela, os olhos cinzentos dela nítidos na foto. Senti uma saudade ao ver a foto, faz tempo que eu não à vejo, vovó mora à uns 200 km daqui, em um vilarejo pequeno e friento chamado Boa Vista. Não gosto muito de lá, por isso faz tempo que não nos vemos, ela também não gosta muito daqui, ela diz que Conquista é uma cidade barulhenta demais e se recusa a vim pra cá.

O anjo se aproximou da tela do computador com os olhos semicerrados, o olhar dele estava intacto no rosto murcho e com leves rugas da minha avó.

Eu olhei para ele sem entender porque essa reação.

- Quem é ela? – Perguntou ele sem tirar os olhos da tela.

- Minha avó, por quê?

- Não sei... Algo me diz que eu conheço esses olhos de algum lugar...

- Faz tempo que não nos vemos... - Comentei

Ele se afastou da tela com uma expressão pensativa.

- Você tem mais alguma foto dela?

- Não, acho que papai tem, se você quiser eu posso...

- Não, não precisa. Acho que foi apenas uma impressão.

- Tudo bem, então – Concordei levantando os ombros.

De onde ele poderia conhecer minha avó? Pelo que eu saiba não existe nenhuma foto dela nos porta retratos da sala, porque mamãe não gosta muito da sogra...

Eu passei para a próxima foto. Eu devia ter uns nove anos nessa foto, eu estava vestida de anjinho.

- Essa é você? – Perguntou o anjo, não mais pensativo, rindo novamente.

- Sim, acho que foi em algum evento da escola, não me lembro direito. – Eu disse clicando no mouse e mudando de foto.

A próxima foto me mostrava junto com o meu pai e minha mãe na minha formatura da quarta série, eu usava um vestido rodado cor de rosa.

- Você não mudou muito – Comentou o anjo

- É, nem parece que isso foi a seis anos atrás... Ainda lembro do meu discurso de oradora da turma. – Falei revirando os olhos ao lembrar da cena do meu discurso.

- Engraçado como o tempo passa e nós não percebemos, parece que foi à meia hora atrás que você ameaçou quebrar um abajur na minha cabeça, mas na verdade já faz quase um mês. E hoje, aqui estamos nós, rindo de fotos antigas!

Nós dois rimos.

A medida que meus lábios se abriam os dele se abriam também, nós estávamos juntos a cada gesto, a cada sentimento, não dá para pensar na minha vida sem o meu anjo, ele já tinha conquistado uma enorme espaço em meu coração, um espaço essencial, do qual eu não poderia viver sem.

E assim eu fui dormir naquela noite, lembrando do passado e comparando as coisas boas ao sorriso do meu anjo, sorriso que me faz sorrir também. Sorrir e ser feliz, ou pelo menos, menos triste.

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