Personalie

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010



CAP. 2 - História


- Letícia, nós já chegamos. – Disse meu pai enquanto me balançava para que eu voltasse ao mundo real.


Eu me perguntei se aquilo tinha sido apenas um pesadelo, mas logo que voltei a abrir meus olhos vi que infelizmente não era.


- Ah, claro. E-eu já estou saindo. – Eu disse baixinho enquanto limpava minhas lágrimas e pegava minha mochila pesada.


Eu entrei em casa atrás do meu pai, minha mãe me recebeu com um abraço.


- Sinto muito, querida. Mas você não devia ficar assim, ele é só um motorista! – Minha mãe disse enquanto me abraçava.


- Ele não é “só um motorista” ele é meu amigo. – Eu disse e rapidamente me soltei do abraço e me refugiei no meu quarto.


Eu fiquei ali, encolhida no cantinho do meu quarto até que alguém bateu na minha porta.


- Lê, posso entrar? – Era meu pai.


Eu me levantei e enxuguei rapidamente as lágrimas.


- Claro, espera, eu vou destrancar a porta. – Eu disse.


Eu abri a porta do quarto e ele entrou, ele olhou cada ponto do meu quarto como se nunca tivesse o visto, na verdade ele nunca tinha tido tempo de me visitar em meu quarto.


- Er... Eu sei que não venho muito aqui... É que eu preciso falar com você. – Ele disse ainda olhando os detalhes do meu quarto.


- Ah claro, sente-se. – Eu falei ainda meio sem acreditar que ele estava tirando um tempo pra falar comigo, deve ser algo bem importante.


Ele se sentou na minha cama.


- Venha aqui. – Ele me chamou pra deitar no seu colo, e eu me lembrei de quando eu tinha uns sete anos de idade que ele contava histórias para eu dormir, mas desde que ele virou prefeito nunca mais teve tempo para essas coisas.


Eu fui e deitei no colo dele meio sem jeito, eu não era mais aquela menininha de sete anos de idade, eu tinha crescido.


- Então... O que foi? Alguma coisa nova sobre Lucas? – Eu perguntei.


- Não exatamente, na verdade eu queria te contar uma história. – Ele disse.


Hã? Meu pai querendo me contar uma história? Eu estranhei.


- Bem, você vai entender agora porque eu fiquei tão preocupado com o Lucas. – Ele fez uma pausa e então começou – Você sabe que o pai dele faleceu ano passado, sabe?


- Sim, claro, coitado, Lucas ficou arrasado. – Eu respondi.


Meu pai começou a mexer no meu cabelo, agora estava parecendo mais ainda que eu estivesse voltando no tempo, quando eu tinha sete anos.


- É ele ficou muito triste. A mãe dele também, Clarisse e George sempre foram grandes amigos meus, desde a época do colegial. A mãe dele eu conhecia há mais tempo, George eu conheci depois, quando Clarisse começou a namorar com ele. Eles eram bem novos quando Clarisse engravidou, ela tinha 17 e ele 19. Eu vou te contar uma coisa que eu nunca contei nem pra sua mãe. Bem, eu fiquei muito arrasado quando eles se casaram, eu ainda tinha esperanças com Clarisse. – Ele disse sussurrando a última frase.


- O que? Você tinha uma queda pela mãe do Lucas? – Eu quase gritei.


- Querida, era uma aventura adolescente, eu nem conhecia sua mãe. – Ele esclareceu.


- Mas... Você ainda sente alguma coisa por ela? – Eu perguntei.


- Claro que não Letícia, eu sou um homem casado, e Clarisse uma mulher viúva. – Ele falou como se isso fosse óbvio. – Bem, vou continuar a história... Quando Clarisse se casou com George eu meio que me afastei deles, George que antes era um grande amigo, tinha virado apenas uma pessoa qualquer, eu também resolvi evitar ver Clarisse, doía muito ver ela com outro cara, ainda mais um cara que era meu amigo. Eu só voltei a vê-los novamente quando Lucas nasceu. Eles me convidaram para ser o padrinho, mas eu não aceitei. Um tempo depois eu conheci a sua mãe, e ela me fez esquecer completamente Clarisse. Então nós nos casamos e pouco tempo depois ela também engravidou aí você nasceu, a criancinha mais linda do mundo. – Ele fez uma pausa e beijou o topo da minha cabeça.


Eu ri com o que ele disse: “A criancinha mais linda do mundo”.


- Bem, quando você tinha 10 anos eu me tornei prefeito daqui pela primeira vez. Foi aí que eu reencontrei George e Clarisse assistindo a um comício. Agora eu não estava mais com rancor de George, e fiquei muito feliz por vê-los felizes, eu também reencontrei Lucas, ele devia estar com uns 14 ou 15 anos, então eu chamei George para trabalhar comigo. Foi então, que, há dois anos George descobriu um câncer de pulmão e parou de trabalhar. Clarisse era professora, e o salário que ela ganhava era muito pouco para os remédios de George e para sustentar a casa. Foi aí que ela me pediu ajuda, ela queria que eu empregasse Lucas, claro que eu disse que não, Lucas era muito novo, uns 19 anos na época, eu queria pagar todas as despesas, mas Clarisse é muito orgulhosa. Então eu dei o emprego de motorista a Lucas. Foi aí que você o conheceu e vocês ficaram amigos. Eu gosto da sua amizade com ele, é sincera, ele te faz bem. Um ano depois o quadro de saúde de George se complicou e os médicos não deram esperanças, não levou muito tempo para ele partir. Antes de George morrer eu fui vê-lo no hospital, ele estava acordado e ele me disse as seguintes palavras: “Vitor, obrigado por tudo de bom que você fez a nossa família, eu sei que não tenho muito tempo aqui na terra e quero que você me prometa uma coisa, que você vai cuidar do meu filho. Prometa que não vai deixar nada de ruim acontecer a ele nem a Clarisse. Você promete? – Disse George quase sem voz pelo esforço de se manter vivo.


- Prometo, mas não diga isso, você vai viver. – Eu disse apertando a mão dele.


- Não, amigo não vou, Deus está me chamando, eu tenho que ir. Agora eu vou em paz.” - Seus olhos estavam em outro mundo, parecia que ele estava perdido em pensamentos e lembranças enquanto me contava a história - E foi nesse momento que ele se foi, morreu segurando a minha mão, e eu prometi que cuidaria de Lucas, por isso estou tão preocupado com ele. Sei que se Lucas partir, o que se depender de mim não vai acontecer, Clarisse ficará muito triste, e eu também prometi que não deixaria nada de ruim acontecer a ela.


Eu levantei do colo dele e percebi umas lágrimas escapando dos seus olhos. Eu o abracei forte.


- Lucas ficará bem, pai. – Eu disse chorando também.


- Sim, filha, ele ficará bem.


Meu pai se levantou e limpou as lágrimas. Eu fiz o mesmo.


- Bem, eu acho que já passou da hora do almoço. – Eu disse enquanto olhava o relógio que já marcava 13h35min da tarde.


- É você tem razão, é melhor irmos antes que sua mãe nos condene a guilhotina. – Brincou meu pai, eu percebi que ele estava tentando quebrar o clima de tristeza.


Eu ri sem ânimo. E então perguntei uma coisa, eu estava muito curiosa para saber isso:


- Pai, você... Teve alguma coisa com Clarisse? – Eu perguntei corando um pouco, sei que isso não é pergunta de se fazer ao próprio pai.


- Querida, vamos descer, estamos atrasados pro almoço. – Ele mudou rapidamente de assunto. Eu entendi que ele não queria responder a pergunta, então não forcei a barra.



Como meu pai havia falado minha mãe já estava na mesa com a maior cara feia.


- Já são 13 horas 45 minutos e 37 segundos! Será que vocês não podem ser mais pontuais? Comer tarde engorda! – Reclamou minha mãe.


Eu e meu pai sentamos quietos e colocamos nosso almoço enquanto minha mãe continuou com o seu discurso:


- Eu não vou esperar mais ninguém aqui nessa casa para almoçar. Da próxima vez eu vou dar ordens para retirarem o almoço e vocês vão ficar com fome! Estou avisando de agora.


Eu revirei meus olhos. Meu pai não parecia dar a mínima para as reclamações da mamãe, ele comia quieto o seu almoço e eu resolvi ignorá-la também.


Quando minha mãe viu que ninguém prestava atenção nas reclamações dela ela se calou e cruzou os braços.


- Vocês não vão falar nada? – Ela perguntou.


Eu e meu pai balançamos a cabeça sem olhar para ela.


Logo em seguida ela se levantou da mesa falando palavras feias.



Eu terminei de almoçar primeiro e fui pro meu quarto mexer no computador. Eu entrei no MSN e como sempre, Jack e Selena estavam online. Coloquei uma conversa a três.



Letícia diz:


“Gente, aconteceu uma coisa tão triste.”


Selena diz:


“Ah eu vi na TV, foi o seu motorista não é? Sinto muito.”


Jack diz:


“É, meu pai comentou que o seu pai saiu cedo da prefeitura hoje por causa disso”


Letícia diz:


“É, ele tá superpreocupado com o Lucas.” Resolvi não comentar a história que meu pai havia me contado.


Selena diz:


“Amiga, ele ficará bem, enquanto isso você tem a gente pertinho de você”


Jack diz:


“É amor, agente tá aqui, pro que der e vier.”


Letícia diz:


“Obrigado gente. Eu acho que vou sair aqui, preciso dormir um pouco”


Jack diz:


“Ok, tchau amor, beijos.”


Selena diz:


“Tchau amiga, bons sonhos”



Então eu desliguei o computador e fui dormir um pouco, para esquecer tudo de ruim que estava acontecendo.



Quando eu acordei tentei lembrar o sonho. Mas a única coisa que eu conseguia recordar eram os olhos de violeta de um garoto, ou qualquer outra coisa que tentava me proteger. Eu tentei lembrar o que ele disse. Foi algo como “Eu estarei com você quando você precisar de mim”. Eu não conseguia me lembrar do rosto do garoto, nem sei se era um garoto, mas eu acho que sim, tinha voz de garoto.


Eu fiquei sentada na minha cama tentando me lembrar do resto do sonho, mas eu só conseguia lembrar os olhos e a voz,


“Eu estarei com você quando você precisar de mim”


“Eu estarei com você quando você precisar de mim”


“Eu estarei com você quando você precisar de mim”


Eu olhei o relógio e ele estava marcando 17h45minh, eu tinha dormido demais. Iria ser quase impossível dormir a noite.


Meu estômago roncou furiosamente pedindo comida, então eu resolvi levantar e fuçar a geladeira.


Eu peguei um enorme pedaço de bolo de chocolate e um copo grande cheio de coca-cola e levei até a sala de TV onde eu fiquei devorando meu lanche e assistindo TV.


Foi aí que apareceu uma notícia sobre o que aconteceu com Lucas:



“Na manhã de hoje, 27 de outubro, um rapaz de 21 anos chamado Lucas Prado, foi atingido por uma bala perdida no bairro da Alvorada, na cidade de Vitória da Conquista, Bahia.


O jovem, que é motorista do prefeito da cidade, estava em horário de trabalho, mas pediu uma licença ao patrão para levar umas compras à casa da mãe, a viúva Clarisse Prado. Na volta ele foi atingido na cabeça, não se sabe ainda de onde veio a bala. A polícia está investigando o caso para descobrir se estava havendo briga de gangues no local. O quadro de saúde de Lucas não é bom, os médicos ainda não sabem dizer nada, ele provavelmente será operado amanhã.”



Depois de ouvir a notícia, perdi a fome, e também a vontade de assistir TV, eu coloquei o bolo e a coca-cola novamente na geladeira e resolvi escutar música.


Sentei-me a beira da piscina e fiquei ouvindo música e vendo o sol se por.


Eu estava ouvindo a música preferida de Lucas, eu não sei o nome da música, mas era uma música lenta, ele costumava tocá-la no violão quando vinha passar o domingo aqui. Eu adorava escutá-lo tocar.


Eu me lembrei da história que o papai contou hoje. Fiquei imaginando na minha cabeça o pai de Lucas, George, pedindo ao meu pai que cuidasse de Lucas e de Clarisse. Eu imagino que mamãe não saiba dessa história, é até melhor ela não saber mesmo.


Depois me lembrei do meu sonho.


Eu não lembrava muito bem dele.


Mas eu sabia que foi um sonho, não um pesadelo.


Eu voltei a música preferida de Lucas umas quatro vezes, mas aí o meu MP4 ameaçou descarregar.


Só deu tempo de escutar a música mais uma vez.


Agora não tinha mais nada pra fazer. Pela primeira vez eu fiquei triste por não ter atividade de casa pra fazer.


Eu não queria entrar na internet nem assistir TV, doía ver notícias sobre Lucas em todos os lugares, todos dizendo a mesma coisa “o quadro de saúde dele é grave”.


Eu olhei no relógio com esperanças de que fosse tarde, mas agora que tinha acabado de dar 19:30h. E eu não tinha um pingo de sono.


Eu resolvi ir lavar os pratos, coisa que eu nunca fiz, já que aqui em casa tem quatro empregadas. Elas me olharam atravessado quando eu pedi pra ajudá-las. Mas, no fim, concordaram.


Eu me diverti lavando os pratos. As empregadas me contaram histórias. Falaram dos filhos, do marido, da antiga cidade onde moravam. Eu acabei esquecendo que Lucas estava entre a vida e a morte.


Se eu soubesse que as empregadas da minha casa eram tão legais, já teria conversado com elas antes.


Quando eu olhei novamente o relógio já ia dar 22h00minh da noite, e eu tinha ficado cansada de tanto lavar pratos, foi bom porque eu acabei sentido sono.


Eu me despedi das empregadas e fui dormir.

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