Personalie

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

CAP. 7 – Deslizes

Eu desci cedo para tomar café, mas mesmo assim não encontrei meu pai na mesa. Tenho quase certeza de que ele está fugindo de mim para evitar perguntas sobre o que ele e Clarisse estavam conversando ontem.

Eu entrei no carro com esperanças de ver o anjo me esperando lá, mas ele não estava.

Quando o carro parou na porta da escola eu fiquei ainda mais entusiasmada, porque ele provavelmente estaria me esperando na alí.

Mas ele não estava.

Eu comecei a temer que ele tivesse ido embora. Isso seria muito ruim, já que ele estava sendo minha segurança até agora. Eu já estava quase conseguindo ficar firme na corda, mas ainda não estava de volta ao topo.

Eu entrei na sala de aula de dedos cruzados para que ele estivesse lá, mas também não estava. A aula de ciências já tinha começado, mas eu não prestava atenção. Depois de um minuto Jack e Selena chegaram juntos e sentaram na frente, um do lado do outro. Eu procurei não olhar para eles e eles pareciam estar fazendo o mesmo.

O segundo horário bateu, como era duplo de ciências ninguém saiu da sala.

À medida que o tempo passava o meu medo aumentava mais ainda, eu despencaria novamente se perdesse o meu anjo.

Eu estava tão abalada com o fato de ainda não ter visto o meu anjo que nem percebi que alguém havia me mandado um bilhete.

O bilhete dizia:

“Letícia, quero falar com você no intervalo. Nos vemos na cantina. Beijos, Jack”

Eu encarei Jack e ele me olhou com um sorriso cínico.

Amassei o bilhete e joguei no chão. Jack continuou olhando para mim, até que Selena beliscou o braço dele para que ele voltasse a prestar atenção na aula. Antes de se virar para frente novamente ele ainda teve a coragem de piscar para mim! Eu me segurei para não levantar e arrancar o olho dele.

O terceiro horário bateu.

Eu fiquei ainda mais agoniada. Agora não só com a ausência do anjo, mas também com a minha prova de história.

O professor de história entrou na sala com as provas na mão, a sala ficou em silêncio, o que era bem raro na aula de história, a não ser que tivesse prova.

O professor entregou as provas e ficou rodando a sala para ver se ninguém iria pescar.

Eu li as questões e vi que não sabia responder nenhuma.

O jeito seria entregar a prova em branco mesmo e levar SR.

- A prova está muito difícil? – Perguntou uma voz que eu já conhecia.

ERA O MEU ANJO, ELE TINHA VOLTADO!

Fiquei tão feliz que quase me levantei para pular de tanta alegria!

Mas se eu fizesse isso eu não levaria só um SR, como também uma anotação.

Eu balancei a cabeça positivamente.

- Calma, eu vou te ajudar.

Eu suspirei de alívio. Com toda a certeza do mundo, ele havia prestado mais atenção nas minhas aulas do que eu.

Ele me passou as respostas de todas as perguntas. As que ele não tinha certeza, ele copiava da garota que estava sentada três cadeiras a minha frente, ela parecia não estar com dificuldades na prova já que a sua expressão era bem feliz.

Eu terminei a prova antes do horário do intervalo bater.

Agora seria bem improvável receber um SR. Eu sei que eu tinha dito que eu preferiria tirar nota baixa do que pescar, mas é que essa era uma situação diferente, seria impossível lembrar o assunto de história enquanto minha vida estava um caos. Não que eu tenha mudado de opinião, só acho que pescando agente ainda tira uma idéia de que temos que estudar mais para na próxima se dar bem sem a ajuda de ninguém. Nem de um anjo.

Mas eu ainda tinha mais um problema urgente para resolver:

Jack.

Eu não sabia se eu iria ou não me encontrar com ele na cantina, então decidi perguntar a opinião do anjo.

- Acho que não tem mal nenhum em ir falar com ele – Respondeu o anjo.

- É você tem razão, acho que vou falar com ele.

Eu e o anjo ficamos na cantina esperando o horário bater.

Eu sentada em uma das mesas, e o anjo ao meu lado.

Eu ainda não estava totalmente certa de que eu devia ir falar com Jack. Eu não sabia qual seria a minha reação se ele me olhasse com aquela cara cínica e falasse novamente: “Do que você está falando?”.

O horário bateu. Respirei fundo para não me descontrolar quando Jack aparecesse.

Em pouco tempo ele chegou. Selena vinha logo atrás dele, ela não estava com uma cara muito contente... Jack estava exibindo seus dentes brancos, ele parecia feliz.

Quando Jack se aproximou eu me levantei.

- Oi. – Disse ele ainda sorrindo.

Eu revirei os olhos.

- Fala logo o que você quer, eu não tenho o intervalo todo! – Falei com uma ignorância que eu não planejava usar.

O sorriso dele vacilou um pouco. Agora ele estava sério.

- Lê, eu sei que você pode não acreditar em mim, mas eu preciso que você acredite. – ele começou a abaixar a voz, Selena não parava de nos olhar - Eu amo você, eu só fiquei com Selena por atração física, o meu coração é seu Letícia, é seu!

Eu olhei para os lados e vi que a cantina toda estava olhando para nós.

- Jack, eu não confio mais em você. – Falei baixinho.

Arregalei os olhos quando ele segurou fortemente os meus ombros, como se não quisesse que eu fugisse. Bom, era isso que eu queria: fugir. E, certamente, era isso mesmo que ele estava impedindo.

- Olha, no começo era só uma idéia boba do meu pai para tentar fazer alianças com o partido do seu pai, mas depois... Depois Letícia, eu vi que você era a pessoa certa para mim e que eu não conseguiria viver sem você, eu sei que isso pode parecer meio estranho vindo de mim, mas... VOCÊ TEM QUE ACREDITAR EM MIM, LETÍCIA! – Gritou ele sacudindo os meus ombros.

Eu me assustei com o jeito que ele me olhou.

Seus olhos pareciam sinceros, mas eu não podia (nem conseguia) acreditar.

- Jack, você está me machucando! – Tentei manter a minha voz o mais baixo possível. – Me solta, Jack, me solta!

Ele continuou me olhando e eu acabei me perdendo nos olhos dele, quando ele sorriu, eu não consegui mais me mexer, na verdade eu não queria me mexer, eu queria acreditar nele, mas eu não podia.

Pouco a pouco o rosto dele foi chegando mais e mais perto do meu.

Eu não consegui me mexer, nem virar o rosto, o sorriso perfeito dele prendia o meu olhar.

Quando vi os lábios dele já estavam nos meus e eu não pude fazer nada.

Tentei me soltar do abraço apertado dele, mas ele era muito mais forte do que eu.

Os olhos dele estavam fechados, mas eu continuei com os meus abertos. Olhei para os lados e vi que todos na cantina estavam olhando a cena de boca aberta, inclusive o anjo. O único olhar diferente era o de Selena, que nos olhava com raiva.

Então eu parti para a outra alternativa...

Parecia nojenta, mas era a única que poderia dar certo.

Então, sem pensar duas vezes, juntei toda a força que eu tinha nos meus dentes e lhe dei uma bela mordida na língua!

No mesmo instante ele me soltou cuspindo sangue no chão.

Eu passei a mão na minha boca na inútil tentativa de apagar o beijo dele.

Olhando mais adiante, vi Selena correr até nós.

- Garota, o que você fez? – Ela disse olhando para mim, seus olhos pareciam estar prestes a transbordarem lágrimas.

Ela se virou para Jack e eu imaginei que ela fosse ajudá-lo.

Mas ela fez algo diferente, inesperado da parte dela.

Todos na cantina arregalaram os olhos quando Selena deu uma joelhada “naquele lugar” de Jack. Imagino que ela fez isso da mesma forma que eu mordi a língua de Jack: Sem pensar duas vezes.

Jack gemeu de dor.

Outros garotos olharam com pena.

- Era pra você ter feito isso também! – Logo depois de me dizer isso, Selena saiu chorando da cantina.

- Voxês xão malucas! – Jack tentou falar, mas o ferimento que eu havia causado na língua dele estava fazendo-o trocar o “s” e o “c” pelo “x”.

- Hum, isso é pra você aprender a não colocar a língua onde não é chamado. – Falei sarcasticamente.

Ninguém na cantina estava rindo, a não ser eu e o anjo.

Todos continuavam olhando horrorizados.

Eu estava saindo da cantina ainda feliz e saltitante me sentido a coca-cola por ter me vingado de Jack, até que o meu sorriso caiu quando a diretora me abordou com Charlotte do seu lado direito e Selena do seu lado esquerdo.

As pessoas na cantina começaram a evacuar, algumas rindo, outras, ainda horrorizadas.

- Senhorita Xavier, diretoria – disse a diretora olhando para mim, eu sabia que era uma detenção, pois ela estava usando o meu sobrenome – E o senhor Beerhmann também.

“Beerhmann” é o sobrenome de Jack, então isso significava que ele também estava na detenção.

O anjo já tinha parado de rir, agora ele parecia meio preocupado.

A diretora havia dado um guardanapo para Jack limpar o sangue da boca. Charlotte tentava esconder os risos, mas não conseguia. Eu tinha certeza que ela era a x-nove que tinha nos denunciado.

Eu, Selena e Jack nos sentamos no sofá da diretoria.

A diretora agradeceu Charlotte e pediu para que ela se retirasse.

Charlotte não parecia querer sair da sala, mas teve que obedecer, então ela se foi abanando a sua trança ruiva.

- Em todos esses anos eu nunca imaginei ter vocês aqui na minha sala para dar qualquer reclamação – começou a diretora – Letícia, você sempre foi uma aluna tão exemplar... Jackson, nunca recebi nenhuma reclamação sua, ainda mais por beijar a sua colega a força! E você, Selena, sempre tão delicada, nunca imaginei que fosse agredir o seu colega!

Nós três ouvimos as reclamações da diretora de cabeça baixa. Não tínhamos resposta para dar, nós três estávamos errados.

Agora o meu histórico escolar estava manchado com uma suspensão de um dia, e eu tinha que entregar um papel para meus pais assinarem. Assim como Jack e Selena. A suspensão de Jack foi um pouco mais prolongada, três dias. Selena também ficou suspensa, ela por dois dias. A diretora considerou legitima defesa no meu caso, mas disse que eu devia apenas ter chamado a direção antes de fazer justiça com as próprias mãos, ou melhor, com os próprios dentes.

Eu realmente não tinha a mínima idéia de como contaria isso aos meus pais que nunca haviam recebido nenhuma reclamação sobre mim!

Papai eu sabia que iria me dar razão, mas mamãe... Eu tinha certeza de que ela ia dizer que eu não usei “bons modos”.

Telefonei para a minha casa e pedi para o motorista vim me buscar, eu não contei sobre a suspensão, só meus pais precisavam saber.

- Letícia! – começou minha mãe – Suspensão por morder de propósito a língua do seu namorado! Menina, eu não te ensinei bons modos?

- Mãe, Jack não é mais meu namorado! Ele me beijou a força! – Me defendi.

- Parabéns filha, você fez a coisa certa – Aprovou meu pai. Eu já sabia que ele ia fazer isso...

- Victor! Sua filha acaba de cometer uma grave inflação e você aprova? – Disse ela virando-se para o meu pai com as mãos na cintura.

- Lúcia, ela está certa. O garoto mereceu – disse papai dando de ombros.

Eu vi que aquele assunto iria gerar confusão, então tentei acabar a conversa.

- Urgh! Parem com esse assunto! Vocês só precisam assinar esse papel idiota! Eu vou subir para o meu quarto – eu disse já sem paciência – Me chamem na hora do almoço.

- Me dê um motivo para eu não me afogar na banheira! – Eu disse ao anjo, já no meu quarto.

- Você tem a mim. – Respondeu ele.

Eu revirei os olhos.

- Ai, Meu Deus, quando é que isso vai acabar? Eu não agüento mais!

- Letícia, dê tempo ao tempo. – disse o anjo com sua voz calma.

Joguei a mochila no chão e me estiquei na cama.

- Anjo, o tempo está passando muito devagar... Se Lucas estivesse aqui ele me entenderia. Eu... eu quero ele de volta! – Falei entre lágrimas.

- Tempo, tempo, tempo. Que passa como vento, que deixa sentimentos no porão dos pensamentos – começou o anjo em um tom poético, eu me sentei na cama olhando para ele que estava parado na minha frente – tempo que não para, tempo que não espera, tempo que passa, mas nem parece... Tempo que cura as dores do passado, Tempo que enxuga as lágrimas dos olhos molhados – Ele abaixou chegando mais perto de mim, eu senti meu coração bater mais rápido quando os meus olhos encontraram os dele de violeta – O tempo enxugará suas lágrimas por mim, eu não posso limpá-las.

Eu desviei os meus olhos dos dele limpando as minhas lágrimas.

- Acabei de descobri uma coisa sobre sua vida, você era poeta. – Eu disse para quebrar o clima triste.

Ele riu.

- É verdade, eu sinto que tenho uma intimidade com as palavras, mas não sei explicar direito... É como se eu estivesse descobrindo de uma hora para outra – disse ele se afastando de mim com o rosto pensativo.

Ficamos um tempo calados, então eu voltei a puxar assunto.

- Mudando de assunto... – Comecei a falar, me levantando da cama – Você acha que Jack estava falando a verdade quando ele disse que... “me ama”?

- Bem, pelo jeito como ele te olhava... – Os olhos de violeta do anjo caíram – Acho que era verdade.

- Hum, eu também acho isso – eu disse – Os olhos dele pareciam tão sinceros...

O anjo sorriu um pouco sem vontade.

O silêncio dominou novamente até que alguém bateu na porta.

- O almoço está na mesa – Gritou alguém do outro lado.

- Já estou indo – Gritei de volta.

O anjo me deu licença para que eu me trocasse, logo depois eu desci as escadas para almoçar, ele estava novamente atrás de mim.

- Filha, depois daqui vamos para o hospital? A cirurgia de Lucas foi remarcada para hoje, lembra? – Perguntou meu pai, mamãe não estava na mesa – É bom irmos lá, pra dar uma força a Clarisse.

- Ok, eu tinha esquecido que era hoje. – Falei colocando a mão na cabeça, com tanta coisa eu tinha me esquecido completamente da cirurgia de Lucas.

- Tudo bem. Eu vou na frente, logo depois que eu terminar de almoçar, você não precisa ir agora.

- Não tem problema, eu vou com você.

- Não, você vai depois, eu preciso... resolver umas coisas.

Ele não explicou que coisas ele precisava resolver, e eu vi que pela expressão dele ele não iria me responder o que ele queria dizer, então eu não perguntei.

Agora minha mãe estava na mesa. Nós três almoçamos em silêncio, o anjo continuava parado ao meu lado.

Eu veria Lucas novamente hoje a tarde. E esperava que ser mais forte dessa vez. O anjo estava me dando forças para seguir em frente e acreditar que Lucas ficaria bem. E isso era tudo que eu queria: Meu Lucas de volta.

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