Personalie

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010


CAP. 5 – O anjo dos olhos de violeta

Levantei a cabeça para ver quem falava comigo.

- Oh! – Foi a única coisa que saiu da minha boca.

Pulei rápido da cama quando eu vi um rapaz parado a poucos metros de mim. Puxei de vez o abajur, que estava em cima da minha mesinha da cabeceira, arrancando-o da tomada e o apontei para o garoto, em posição de ameaça.

- Não se aproxime! Mais um passo e eu quebro esse abajur na sua cabeça, não, não, eu... Quebro sua cabeça com o abajur – Ameacei.

O garoto riu como se estivesse assistindo um show de humor, e eu não entendi o motivo da graça.

- Eu digo que vou quebrar a sua cabeça e tudo que você faz é rir? – Perguntei.

O garoto finalmente conteve os risos e disse:

- Rá! Coitado do seu abajur, é tão bonitinho, pena que se você arremessá-lo contra mim eu não vou me machucar. – Zombou ele. – Já o seu abajur...

- Ah, ta, não vai se machucar! Você é o que, então? O super-homem?

Ele pensou por um minuto e então falou:

- Super-homem não, mas sou o seu anjo da guarda.

Dessa vez quem riu fui eu.

- É assim que os delinqüentes estão agindo para conseguir o que querem? Rá! Eu posso ter cara de burra, mas não sou. – Falei.

- Delinqüente? – riu-se ele – Não é nada disso, menina, eu estou aqui para te proteger.

- Hum! E se eu disser que não acredito? – Resmunguei.

Ele revirou os olhos e se inclinou para dar mais um passo a frente então eu ameacei novamente.

- Não se aproxime! – Gritei

Ele desobedeceu e deu dois passos, e eu cumpri minha promessa.

Com toda a força que eu tinha, arremessei o abajur contra a cabeça dele.

Mas aí... Uma coisa meio... Não, super estranha aconteceu.

O ABAJUR SIMPLESMENTE ATRAVESSOU A CABEÇA DELE COMO SE ELE NÃO ESTIVESSE ALÍ!

Depois de atravessar a cabeça dele como se ela não existisse, o meu abajur se espatifou no chão e quebrou em uns mil pedaços.

- Oh meu Deus! – Falei com os olhos arregalados e o queixo caído, eu podia sentir minha expressão, e ela era de horror.

Ele não parou de andar em minha direção, e enquanto mais perto ele chegava, mais eu me encolhia contra a parede.

- Bem, eu tentei avisar antes nos seus sonhos sobre a minha chegada, mas pelo visto você não se lembra muito bem deles. – Disse o garoto.

Eu comecei a puxar na minha memória os meus últimos sonhos, e lembrei-me dos sonhos com o garoto de olhos cor de violeta.

Eu olhei o garoto dos pés a cabeça, analisando tudo em sua aparência.

Ele tinha pele clara, usava um jeans escuro e blusa branca, ele aparentava ser uns dois anos mais velho do que eu. Analisei seu rosto, ele tinha cabelos castanhos claros enroladinhos em cachos que caíam sobre os seus olhos, eu deixei os olhos por último, e foi o que mais chamaram a minha atenção...

Cor de violeta, exatamente iguais aos do garoto dos meus sonhos!

Era isso!

- Seus olhos... – Sussurrei, agora não me encolhendo mais contra a parede, eu estava caminhando até ele. Eu estava fascinada com a coincidência.

- É, são meio lilás, eu sei. É meio... – O garoto colocou as mãos sobre os olhos, como se estivesse tentando escondê-los ou fazer com que chamem menos atenção - Diferente, eu sei que às vezes dá um pouco de medo e...

- São os mesmos do garoto dos meus sonhos – Eu o interrompi - são... Lindos.

Eu sei que é meio... Atrevido dizer que os olhos de alguém, ou melhor, algo, que você não conhece são lindos, mas a palavra simplesmente escapou da minha boca.

Ele riu um pouco e então agradeceu.

Enquanto ele falava, eu percebi que a voz também era a mesma do garoto dos sonhos.

“Eu estarei com você quando você precisar de mim”

“Isso vai passar”

Eu me lembrei das frases dos sonhos também.

- Meu Deus! Você... O garoto dos sonhos... São... Os mesmos! – Falei meio fascinada.

- É, eu posso aparecer nos sonhos das pessoas. – Disse ele em um meio sorriso.

- Qualquer pessoa? – Perguntei enquanto me sentava na cama novamente.

- Sim, qualquer pessoa. – Respondeu-me ele.

Eu ainda não estava totalmente certa de que ele era meu anjo da guarda, eu realmente não acho que eu tenha um.

- Olha não me leva a mal não, é que... Seria bem legal ter um anjo da guarda, eu acho, mas é que... Bem, eu acho que você errou de pessoa... Eu não sou do tipo que vai sempre à igreja, entende? – Falei fazendo uma careta.

Eu realmente não achava que eu merecia um anjo da guarda, bem, acho que há pessoas muito mais boazinhas do que eu que mereciam um.

- Não, você não está entendendo, todos tem um anjo da guarda, mas nem todos precisam dele, e eu sou o seu, você precisou de mim e eu vim. Essa é a minha missão, você também tem a sua. – Explicou ele.

Eu fiz mais uma careta.

- Eu tenho uma missão? – Perguntei.

- Claro, você vai me ajudar a descobrir quem eu fui em vida, eu não consigo me lembrar, e em troca eu vou tentar te fazer mais feliz, vou ser tipo... Um melhor amigo. – Falou ele.

Eu fiz novamente minha careta confusa.

- Como eu vou te ajudar? Você sabe pelo menos o seu nome? – Perguntei.

- Não, não sei. – Disse ele tristemente. – Mas, Gabriel me disse que você não vai precisar procurar, eu não entendi muito bem, é a minha primeira missão, mas eu acho que é uma coisa por acaso, você vai descobrir no momento certo, quer dizer, foi assim que ele me explicou.

- Gabriel? – Perguntei.

- Sim, ele é o anjo principal, é ele que divide as missões, essas coisas... – Ele fez uma pausa e então continuou – Mas não vamos falar sobre mim agora, vamos falar sobre você. Vai ajudar muito meu trabalho se você desabafar pra mim, me diz o que está te deixando tão triste? – Perguntou ele ao mesmo tempo em que se sentava no ar, ele estava flutuando!

Era meio desconfortável ver uma pessoa, ou seja lá o que ele for flutuando no ar, de pernas cruzadas em borboletas como se estivesse sentado.

- Será que você poderia agir como uma pessoa normal? É meio desconfortável desabafar com alguém que flutua no ar. – Pedi.

Ele desceu devagar e sentou-se no chão, eu não pude ouvir o som dele pousando no chão, até porque ele não era sólido, como eu pude ver quando joguei meu abajur nele.

Eu suspirei e então deitei na minha cama de cabeça pra cima, olhando pro teto, e quando vi estava contando tudo a alguém que eu nem conhecia, ou algo, porque eu realmente não sei se alguém que flutua e atravessa objetos pode se encaixar no quadro de pessoas.

Eu contei tudo, tudo mesmo.

Contei sobre Lucas, sobre a traição, sobre eu não ter amigos...

Eu estava realmente me sentido melhor.

Fazia muito tempo que eu não colocava tudo pra fora.

Ele me ouviu atentamente e às vezes me fazia perguntas.

- Você amava esse Jack? – Perguntou ele.

Eu demorei um pouco para responder essa.

- Jack é um cara legal, eu gostava muito dele, quer dizer, até a umas horas atrás, antes descobrir que eu estava me enganando o tempo inteiro. - Respondi - Eu gostava dele, mas eu não acho que ele seja... Tipo, o “amor da minha vida”.

- Então foi por isso que você estava chorando quando eu te vi na rua? – Perguntou ele

Eu não me recordava de vê-lo na rua, então me lembrei da sensação de estar sendo seguida.

- Espera – Eu disse me sentando novamente – Então era você estava me seguindo quando eu estava voltando do shopping?

- Provavelmente sim. – Esclareceu ele.

Passamos algum tempo em silêncio, já era muito tarde, eu olhei o relógio e já se passava das 02h00minh da manhã, mas eu não estava com um pingo de sono.

Minha cabeça estava cheia de perguntas e eu estava ansiosa para respondê-las. Eu não queria assustar o anjo com um interrogatório, mas a minha mente exigia um.

- Posso te fazer umas perguntas? – Perguntei

- Claro, Letícia, à vontade – Respondeu ele

Eu franzi a testa, eu não tinha lhe contado meu nome.

- Como você sabe meu nome?

- Eu sei muito sobre você, mais do que você imagina – Disse ele levantando-se do chão. – Pode começar o interrogatório.

- Bem, como você... Consegue atravessar tudo e flutuar? – Comecei.

Ele flutuou novamente, agora ele estava dando voltas no ar e atravessando as portas do meu closet e voltando de volta.

Eu tentei acompanhá-lo com a cabeça, mas ele era rápido demais.

- Será que você pode parar de se amostrar e responder? – Reclamei

Ele riu alto e então voltou ao chão novamente.

- Essa é bem simples – Explicou ele – nós, anjos, já morremos, então não temos corpo, apenas uma alma, e para a nossa alma não há limites. Podemos voar atravessar paredes, ficar debaixo d’água, aparecer em sonhos...

Eu tentei encaixar tudo no lugar, mas eu ainda tinha mais perguntas, muitas perguntas. Então parti para a próxima.

- Todos os anjos tem cabelos enroladinhos e olhos cor de violeta como os seus? – Perguntei

Ele riu um pouco e então respondeu:

- Não, nós somos como fomos em vida, nada muda, os olhos, os cabelos, a pele, tudo continua o mesmo. Nem todos os anjos têm pele clara e cachinhos, existem outras aparências também, qualquer pessoa pode morrer para salvar outra e se tornar um anjo da guarda.

- Então alguém tem que morrer no lugar de outra pessoa para se tornar um anjo?

- É, isso mesmo. – Respondeu-me ele.

- Então você morreu pra salvar alguém, você lembra quem foi? – Perguntei

Os olhos dele caíram e ele me respondeu triste:

- Não, mas deve ter sido alguém que eu gostava muito...

Eu bocejei, o sono parecia estar chegando, mas eu queria saber mais.

Eu já estava abrindo a boca para fazer outra pergunta quando ele começou a falar.

- Oh, já são quase três horas da manhã – disse ele olhando o meu relógio despertador em cima da mesinha de cabeceira - é melhor você ir dormir, eu sei que você tem aula amanhã

Eu poderia dizer que não estava com sono para saber mais sobre ele, mas minhas pálpebras estavam pesando um quilo e pelo jeito ele estava percebendo o meu grau de sonolência.

Eu me deitei novamente, puxei meu travesseiro e me cobri com o meu edredom.

Eu nunca tinha me sentido tão aliviada antes.

Tão... Segura. Agora eu sabia que podia contar com alguém, eu poderia dizer que tenho um amigo.

E tudo isso eu devia a ele. Ao meu anjo da guarda.

Eu estava me sentindo muito melhor, muito bem, eu não me sentia assim desde a última vez que vi Lucas saudável.

Mas ao mesmo tempo eu me sentia ruim.

Eu não conseguia me sentir bem sabendo que o meu melhor amigo estava a um passo do sono eterno.

Sempre que eu lembrava de Lucas eu acabava chorando.

E dessa vez não foi diferente.

O anjo percebeu e veio para mais perto de mim.

Ele levantou a mão como se fosse limpar a lágrima que escapava dos meus olhos, mas quando ele tocou no meu rosto nada aconteceu.

A lágrima continuou lá, como se ele não tivesse passado a mão em cima dela.

- Desculpe, sou um amigo que não pode limpar as suas lágrimas, apenas tento impedir que elas caiam. – Lamentou ele.

Eu abaixei os olhos também, como ele fez.

- Por que não podemos nos tocar? – Perguntei

Ele se afastou um pouco.

- Lê, nós somos de mundos diferentes, eu já morri, eu sou apenas uma alma sem corpo que tem uma missão, já você é uma pessoa viva, que tem um corpo e uma alma. Universos diferentes não se chocam, Letícia. – Respondeu ele – Durma bem, se você quiser posso ir à escola com você.

Eu pulei rápido da cama com a idéia de ser vista com outro garoto sem nem terminar oficialmente primeiro com Jack.

- Não! As pessoas vão pensar que eu sou igual a Jack e Selena! Se eles me verem com você vão pensar outras coisas e vão fazer fofoca! Nem pensar!

Agora ele estava rindo novamente.

- Hei, relaxa, ninguém vai me ver, só vão ver você, não se preocupe Letícia, só seus olhos enxergam minha alma. – Disse ele.

Eu corei um pouco com o fato de ter dito algo parecido com que iria parecer que eu e ele éramos algo mais que amigos, ele pareceu não se importar ou não entender o que eu tinha dito.

- Chega de perguntas por hoje, vá dormir que suas pálpebras estão quase colando. – Disse ele.

Ele se levantou e saiu em direção a parede, eu sabia que ele iria sumir por ali.

- Não vai. – Pedi.

Ele olhou para mim e respondeu com seus olhos lilás brilhando:

- Eu volto.

Eu fiquei olhando quando ele sumiu por dentro da parede.

Eu deitei novamente, agora tudo parecia melhorar.

Não estava perfeito, mas melhor.

Meu chão havia caído quando Lucas entrou em coma, depois, quando descobri que Jack e Selena estavam me enganando, foi como se tivessem jogado para mim uma âncora muito pesada que só fazia com que eu caísse mais e mais rápido, agora surgiu uma corda, o meu anjo da guarda E talvez, se eu conseguir me segurar nessa corda, eu poderei voltar a superfície.

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