Personalie

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

CAP. 11 – Encontro Surpresa.

A manhã do dia 24 não foi muito diferente das outras. Adormeci novamente enquanto esperava o Anjo. Quando ele chegou fui tomar café-da-manhã enquanto assistíamos desenho animado.

O tédio fazia o programa infantil ser legal, mais legal ainda era ver o Anjo comparando o Marinheiro Popeye com o Jack... Isso por Jack ser forte, apesar de ser um forte definido.

Assistimos TV até a hora do almoço, era sempre nessa hora que eu combinava o horário de ir ver Lucas com o meu pai.

Mas dessa vez quem tocou no assunto foi ele.

- Filha, vamos ver o Lucas hoje? – Perguntou ele se dirigindo a mim, mas seus olhos fitavam sorrateiramente a minha mãe para ver a sua expressão.

A expressão dela, como sempre, não foi boa. Ela derrubou os talheres no prato fazendo um barulho que dava para entender como “Isso de novo?”. Seus olhos estavam estreitos e fitando o sorriso malicioso aberto no rosto do meu pai.

- Claro! Que horas? – Meus olhos brilhavam, eu queria passar cada segundo do meu dia com Lucas para compensar o tempo longe dele.

- Vou ligar para o hospital e perguntar os horários de visita. - Disse ele. - Você sabe como é... ele precisa de descanso, então, temos que respeitar os horários dele. Você sabe que ele não dorme quando você está por lá...

- Tudo bem! – Respondi me levantando da mesa, eu já tinha acabado de almoçar.

- Hey, mocinha – chamou a minha mãe – Já vai se trancar no quarto de novo? Não sei o que tanto você faz sozinha lá!

Se eu dissesse que o motivo de passar o dia inteiro dentro do quarto era que só lá eu podia conversar com o meu Anjo sem que ninguém achasse que eu estava conversando sozinha – porque lá não vai ter ninguém para pensar isso – minha mãe provavelmente me internaria em um manicômio. Então menti:

- A-ah, mãe, é o computador.

Ela me olhou como se não estivesse acreditando, mas não respondeu mais nada, até porque eu não lhe dei a chance e corri para as escadas sem esperar resposta.

Sabe? Às vezes eu tenho a impressão de que a minha mãe pode ler a minha mente...

- O que vamos fazer hoje à tarde? Por favor, que não seja ver mais desenho animado! – Pediu o Anjo com os olhos suplicantes.

Eu ri da expressão dele.

- Tudo bem, podemos ir ao nosso lugar favorito...

- A pracinha? – Perguntou ele.

Eu fiquei feliz por o meu lugar preferido ser o mesmo que o dele.

- Bom, acho que temos a mesma opinião. – falei – Vamos lá mais tarde, agora o sol está quente.

Ele concordou.

Depois de um tempo sem nada para fazer a não ser olhar pela janela esperando o sol esfriar, decidi usar um pouquinho a minha internet.

Na ausência do que fazer, abri um site de jogos e o MSN.

Das três pessoas adicionadas no meu MSN, duas estavam bloqueadas e uma no hospital. Não tinha nada para fazer lá, até que no cantinho da tela uma janelinha sobe dizendo:

“Você acabou de receber um e-mail de Jack Behrmann”.

Eu ignorei e voltei para o meu joguinho.

Menos de um minuto depois, a janelinha sobe novamente.

- Ele quer falar com você. – Disse o Anjo não muito feliz em me dar essa notícia.

- Mas eu não quero falar com ele!

A janelinha subiu novamente, já eram três e-mails.

Eu fechei todas as janelas e o site de jogos, desliguei o computador e fui para a janela de cara fechada.

- O que será que ele queria com você? – Perguntou o anjo, mesmo sabendo que eu também não possuía a resposta.

- Não sei nem quero saber! – Respondi com uma grosseria desnecessária.

- Sabe, eu acho que você ainda... sente alguma coisa por ele. – Disse o Anjo tristemente.

O que? Ele estava ficando louco ou o que?

- Ah, fala sério! Eu mal suporto olhar pra cara dele!

- Talvez isso seja porque dói em você olhar pra ele sabendo que vocês não estão mais juntos!

Eu bufei e saí da janela.

Não adiantava discutir com o meu Anjo sobre uma coisa tão fútil e sem noção que tinha saído da cabeça dele por algum ataque de não-sei-o-quê.

Pensei calada mais um pouco no que seria esse ataque. Um sorriso malicioso brotou no canto do meu rosto, eu sugeri:

- Você está com ciúmes de mim? – Perguntei.

A boca do anjo caiu e se fechou novamente, logo depois ele fechou a cara sem rir da piada.

- Ciúmes? Eu? P-Por que? – Gaguejou ele virando as costas na tentativa de esconder um suposto rosto vermelho.

Eu bufei novamente, realmente não tinha motivos para ciúmes, quer dizer, a não ser que os anjos tenham um senso protetor muito forte sobre os seus “protegidos”.

Antes que eu pudesse responder alguém bateu na porta do meu quarto.

Eu tive a impressão de que o Anjo suspirou de alívio quando eu parei o assunto.

- Quem é? – Perguntei chegando à porta.

- Telefone para você. – Disse alguém do outro lado.

Eu destranquei a porta, a empregada segurava o telefone e escondia um riso.

- Quem é? – Perguntei.

- Disse que é seu namorado.

- O que? Namorado?

Ela deu de ombros e me entregou o telefone, depois disso saiu segurando mais risadas.

Só podia ser uma pessoa...

Jack.

- O que você quer, Jack? – Perguntei com grosseria, eu sabia que era ele.

- Como sabe que sou eu? Ah, já sei, ainda somos namorados! Eu sabia que você me ama! – Riu ele do outro lado da linha.

- Para de ser ridículo e fala logo, não tenho o dia todo para dedicar a você.

- Que pena, eu dedicaria todos os meus dias a você, é só você aceitar.

Eu bufei.

- Se você não falar logo eu vou desligar. – Agora eu já estava dentro do quarto.

- Ok, apareça na sua janela agora. – Disse ele.

Eu estranhei, mas segui até a janela.

Abaixei o telefone e afastei da boca para chamar o anjo.

- Anjo, venha ver isso!

Eu não sabia por que, mas eu estava sorrindo. Não de felicidade, mas sim de surpresa, porém, por dentro eu estava uma fera por causa da atenção que Jack estava chamando.

- Jack, o que você pensa que está fazendo? – Perguntei ainda olhando para o grande cartaz que ele segurava com uma mão só na porta da minha casa. No cartaz estava escrito: “Lê, eu te amo. Quer sair comigo?”.

- Então...? – Perguntou ele.

O anjo chegou perto de mim e disse:

- Você não vai acreditar nele outra vez, não é?

O anjo fazia uma careta.

- Não, não vou. – Eu disse desligando o telefone, o sorriso no meu rosto tinha se apagado.

Eu vi Jack desligar o celular lá embaixo, a expressão dele parecia decepcionada.

- LETÍCIA! – Gritou Jack lá de baixo quando eu me virei para fechar a janela.

- Vá embora, Jack! – Gritei de volta.

- Hey, você ainda me deve uma, esqueceu que eu salvei a sua vida?

Os espectadores do showzinho que Jack dava na porta da minha casa aumentavam cada vez mais, dava para ouvir os cochichos deles lá embaixo.

- Acho que se você insistir nisso, quem vai acabar perdendo a vida é você! Não quero nem ver a cara da Selena quando souber disso...

- O que a Selena tem haver com isso? – Perguntou ele soltando o cartaz e o celular no chão.

As pessoas olhavam curiosas, se divertindo com o mini barraco.

Eu não queria nem saber o que seria de mim se mamãe visse aquilo... Então resolvi fazer algo que eu não queria.

- Tudo haver! Mas isso não importa, você vai ou não me levar pra sair? – Perguntei me encostando no parapeito da janela.

Um grande sorriso cresceu no rosto de Jack, e um grunhido ecoou da boca do anjo.

- Jura que vai aceitar? – Perguntou Jack incrédulo.

Os curiosos cochicharam e de uma hora pra outra todo mundo estava gritando “Aceita! Aceita!”.

Eu revirei os olhos e forcei um sorriso.

- Claro, mas se demorar vou desistir!

As pessoas que observavam bateram palmas e Jack soltou uma grande e demorado “UHUUUUUUUUUUUUUUUUUUL”.

Eu fechei a janela para descer até a rua ao encontro de Jack.

- Letícia, o que há de errado com você? – Perguntou o Anjo com um tom meio furioso.

- Urgh! Eu só estou indo porque precisava acabar com a graça daqueles curiosos!

O anjo revirou os olhos, eu sabia que ele não estava muito feliz com o pedido aceito.

Apesar de que não era bem aceito... Estava mais para forçado a aceitação.

Peguei a minha bolsa e desci as escadas.

- Aonde você vai, mocinha? – Perguntou a minha mãe que atravessava a sala no momento em que passei.

- Vou sair com Jack. – Respondi.

- Hum, vocês voltaram? Vão ao baile juntos? – Perguntou ela com um grande sorriso no rosto.

- Não e não. Tchau, mãe! – Falei saindo de casa.

Eu esperava que minha mãe não viesse atrás de mim e visse aquele monte de gente aglomerada na porta.

Eu mal sai na porta e Jack me arrastou pela cintura até o carro.

Ele me colocou no banco do passageiro, o anjo atravessou o metal do carro e ficou no banco de trás do carro.

- Jack, você só tem 17 anos, não pode dirigir! – Reclamei.

- Nem sempre se segue as regras. – Disse ele em um sorriso malicioso enquanto pisava no freio do carro.

- Oh, não quero nem saber o que os seus pais vão falar se souberem que você está dirigindo...

- Eles não estão na cidade, não vão me ver com o carro.

Eu apertei o cinto de segurança, Jack corria demais e eu estava começando a ficar com medo.

Graças a Deus o shopping não é muito longe da minha casa, e foi pra lá que ele me levou.

Ele desceu do carro e abriu a porta para mim.

- A Selena vai te matar! – Previne novamente.

- Você ainda não me respondeu o que ela tem haver com isso.

- Jack, todo mundo sabe que vocês estão juntos.

- O que? – Ele parou, já estávamos dentro do shopping. – Então é isso que ela está dizendo? Fala sério! Para mim ela não é nada mais do que um simples passa tempo, quem eu quero mesmo é você!

Algumas pessoas olharam.

- Jack... Por favor, sem escândalos. – Sussurrei.

- Tudo bem. – Concordou ele. – Para onde nós vamos?

- Sorveteria, está quente hoje. – Respondi sem pensar, lá com certeza é o lugar mais freqüentado do shopping em dias quentes como esse, e eu não queria uma certa “privacidade” com Jack.

- Sorveteria? Não deveríamos ir para um lugar mais... reservado? – Ele sorriu daquele jeito malicioso dele.

- Dê logo um fora nesse babaca! Prefiro mil vezes assistir desenho animado ao dar uma de vela invisível! – Reclamou o Anjo atrás de mim.

- Espere um pouco, vai ser rápido. – Sussurrei para o Anjo.

- O que disse? – Jack perguntou com esperança nos olhos.

- N-nada, só que sorvete é gostoso.

- Ah sim, já que gosta tanto de sorvete...

Jack fez questão de me levar pela cintura até chegarmos à sorveteria, ele não parava de cantar uma música lenta que não fazia o estilo dele.

- Que sabor você vai querer? – Perguntou Jack, nós já estávamos sentados na mesa, ele tinha quase colado as nossas cadeiras.

- Ela quer o sabor de ir embora, Marinheiro Popeye. – Disse o Anjo, mas claro, Jack não pôde ouvir.

- Qualquer um. – Respondi prendendo um riso e afastando a minha cadeira para bem longe da de Jack, mas ele arrastou a dele para perto de mim novamente.

Jack pediu nossos sorvetes de chocolate, tenho que admitir que é o meu preferido, mas não falei isso à Jack.

- Juro que pensei que o Popeye ia pedir de espinafre! – Gargalhou o anjo ao meu lado.

Eu tentei prender o riso mais uma vez, torcendo para Jack não perceber.

- Então... você vai ao baile na sexta? – Perguntou Jack.

- Hum... provavelmente.

- E quem será o sortudo acompanhante? – O tom de Jack era de desgosto.

- Sem acompanhantes. – Falei enquanto pegava o sorvete que a garçonete trazia.

- Sabia que eu adoraria te acompanhar? – Disse ele pegando o sorvete dele também.

- Oh, que pena, eu não adoraria a sua companhia. – Eu disse com naturalidade enquanto enfiava uma colher de sorvete na boca.

Jack colocou o sorvete na mesa e acariciou o meu cabelo.

Eu dei um tapa na mão dele e voltei a afastar a minha cadeira.

- Jack, você se lembra muito bem do que eu fiz da última vez que tentou me beijar, não se aproxime ou será pior!

Ele revirou os olhos e o Anjo soltou uma grande gargalhada.

- Ah Letícia, por que você não acredita em mim? Eu te amo! – Insistiu Jack em um tom tão sincero que eu quase acreditei, e por um momento senti pena.

Respirei fundo e coloquei o meu sorvete na mesa.

- Jackson, você sabe muito bem porque eu não acredito mais em você. Não tente se fazer de vítima. – Falei com um tom calmo, que eu não costumava a usar com Jack desde que descobri sobre ele e Selena.

- Eu não estou me fazendo de vítima! – Gritou ele chamando a atenção de algumas pessoas – Olha, eu já fiz um barraco na porta da sua casa, te mandei milhões de e-mail dizendo a mesma coisa e você ainda não acredita em mim? Não acredita que estou arrependido?

- Eu não li os seus e-mails.

- Não importa! Eles não diziam nada mais do que você já sabe!

Ele levantou-se da cadeira e ajoelhou aos pés da minha cadeira.

Eu levei a mão ao rosto e tentei me esconder entre os cabelos.

- Jack, para com isso! Você está perdoado, satisfeito? – Sussurrei.

- Eu não quero apenas o seu perdão, eu quero você de volta.

Eu queria fugir dali, mas não tinha jeito porque Jack segurava a minha mão e o pior, segurava os meus olhos nos dele.

Se tem uma coisa que me deixa tonta e apaixonada, é quando um garoto me segura pelos olhos. Você tem a impressão de que não pode fugir dali, ainda mais quando os olhos têm cílios gigantes como os de Jack. Os únicos olhos mais encantadores do que os de Jack eram os do Anjo... Respirei fundo mais uma vez e fechei os olhos tentando apagar o olhar de prisão de Jack, virei a cabeça para o lado onde o anjo estava e só abri os olhos quando tive certeza que os outros que eu veria seriam de violeta.

Funcionou, eu senti que não devia nem queria aceitar o pedido de Jack, e o melhor... descobri que eu já tinha o meu par de olhos preferidos, e que nem aqueles cílios enormes e sedutores de Jack poderia superar os de violeta do meu anjo, pois aqueles olhinhos de cor lilás brilhavam do jeito mais reconfortante e apaixonante do mundo, e eram esses olhos que eu devia seguir e confiar.

O anjo sorriu para mim, o que não quebrou o seu olhar, apenas o intensificou.

Eu lutei até que consegui sair dos olhos do Anjo.

Virei para Jack novamente, que aguardava uma resposta com os olhos ansiosos e cheios de esperança. O olhar dele não me prendeu novamente, de algum modo eles não me atraiam mais.

- Sinto muito, Jack, mas eu não te amo mais... – Respondi enfim.

Os olhos dele caíram e seus lábios tremeram por um segundo, como se ele quisesse abafar um soluço.

Ele soltou a minha mão, levantou e sentou-se na cadeira novamente, as poucas pessoas que olhavam desviaram o olhar de nós.

- Acho que está na hora de te explicar uma coisa. – Disse ele, o tom malicioso e divertido de Jack tinha sumido, agora ele falava tristemente e seu tom chegava a ser sombrio.

- Se for rápido... – Eu disse olhando o relógio, ainda ia ver Lucas hoje e já passavam das 15h00min.

- Vai ser rápido. – ele fez uma pausa para tomar fôlego, então, continuou. – Há um tempo atrás nossos pais entraram para a política juntos, porém em cargos diferentes. Como você sabe, o meu pai é vereador e faz parte do mesmo partido que o seu pai... Então, ele teve a idéia de me aproximar de você por um motivo de “marketing”. Eu não aceitei de início, mas aí ele veio com um papo de aumento de mesada e...

Minha boca se abriu, eu não acreditava que ele estava falando aquelas coisas, e me senti uma burra por pensar por um minuto que ele gostava verdadeiramente de mim.

- Jack, você só estava comigo por um aumento de mesada? – Falei furiosa. – Eu não tenho mais nada para ouvir...

Levantei-me para ir embora, mas ele segurou o meu braço me impedindo de ir.

- Não, não é isso! – Antecipou-se ele. – Quer dizer... no início era, mas depois eu fui te conhecendo melhor e vi a garota legal que você é... Porém, te perdi porque não consegui segurar os meus instintos masculinos. – Depois disso, o tom malicioso dele voltou.

Eu estreitei meus olhos.

- Que pena, eu não posso levar a culpa pelo seu excesso de testosterona!

A garçonete chegou nesse momento perguntando se nós iríamos querer mais alguma coisa.

- Eu não quero mais nada. – Respondi.

- Ok, eu pago a conta, é o mínimo que posso fazer para compensar o meu aumento de mesada que recebi por sua casa. – Disse Jack rindo enquanto tirava o dinheiro da carteira.

- Fim de encontro? – Perguntou o Anjo ansioso.

- Calma! – Sussurrei para o anjo. Aumentei o tom de voz para falar com Jack – Jack... eu tenho que ir, vou ver Lucas ainda hoje.

Jack revirou os olhos.

- Eu sabia! – Disse ele enraivado, a garçonete já saíra da mesa. – É por isso que você não me quer mais... é por causa desse babaca!

- Hey, eu não permito que você fale de Lucas desse jeito! – Falei. – Ele é meu amigo e precisa de mim agora, acordou do coma ontem.

Jack soltou um suspiro de pura raiva.

- Posso pelo menos te levar ao hospital? – Perguntou Jack tentando engolir a raiva.

- Vou passar em casa primeiro, preciso perguntar ao meu pai o horário de visita.

- Então eu te deixo lá, posso? – Os olhos de Jack estavam suplicantes.

- Diga que não! – disse o anjo. - Esqueceu do nosso passeio à pracinha?

Eu tinha mesmo esquecido que eu tinha combinado com o Anjo de ir à pracinha hoje à tarde, mas eu não queria falar para ele sobre a minha amnésia, eu sabia que isso o deixaria chateado.

- Não Jack, eu quero ir de pé mesmo... – Respondi levantando da cadeira, dessa vez ele não me impediu.

- Tudo bem, eu vou com você e depois volto para pegar o carro. – Respondeu ele levantando-se também enquanto guardava a carteira no bolso de trás da bermuda jeans que ele usava.

- Não! Eu quero ir sozinha... Preciso ficar sozinha. - Antecipei-me, não dava para dizer que eu tinha um passeio marcado com o meu anjo da guarda.

Ele pensou por um tempo, então concordou com a cabeça.

Antes de ir embora, ele voltou a perguntar:

- Você não vai mesmo aceitar a minha companhia para o baile?

Eu respondi rapidamente:

- Não, Jack... não dá mais.

A expressão dele entristeceu novamente.

- Acho que serei obrigado a ir com a Selena.

- Ou sozinho... – Sugeri.

- O que? Ficou louca? Jackson Behrmann não vai a um baile sozinho! – Ele sorriu daquele jeito malicioso dele – Mesmo que a acompanhante não seja muito desejada...

O Anjo prendeu um riso atrás de mim.

- Já que é assim... – Falei – Bom, agora eu já vou. Obrigada pelo sorvete.

- Pena que eu não pude dar mais que isso... – Disse Jack alisando o meu cabelo.

Eu tirei a mão dele de mim e saí em direção ao elevador depois de sussurrar um “tchau”.

Antes de entrar no elevador eu olhei para traz, só pra ver a expressão de Jack.

Ele não parecia mais arrasado, agora já falava sorridente no celular.

- Finalmente você se livrou desse idiota! – Resmungou o anjo.

Eu revirei os olhos e entrei no elevador.

O sol não estava mais tão quente.

A pracinha estava cheia de crianças que brincavam no parque e subiam nas árvores. Todas elas muito sorridentes.

Eu e o Anjo fomos para o banquinho, como sempre.

Uma árvore cobria as nossas cabeças e deixava o clima mais fresquinho.

A brisa das 16:30 balançava os meus cabelos e cobria o meu rosto com um cheirinho gostoso de primavera que penetrava no meu nariz dando uma sensação gostosa. Eu aproveitava isso de olhos fechados.

- Que carinha é essa? – Perguntou o anjo.

Eu abri os olhos em direção à ele, os seus cachinhos não balançavam com o vento.

- É o cheirinho de primavera, o ventinho gostoso e...

Parei de falar quando vi que a expressão dele estava se tornando triste. Eu tinha esquecido que ele não era algo realmente real, e que ele não pode sentir as mesmas coisas que eu... como a brisa fresquinha, por exemplo.

- Oh, me desculpe. – Pedi.

- Não se preocupe... o pior não é isso. – Disse ele tentando sorrir – O pior é não poder abraçar as pessoas que gostamos, chega a ser enlouquecedor.

- Sei... suponho que você tenha alguma “anjinha” na sua lista. – Falei entre os dentes.

- O que? – Ele riu.

- Ah, fala a verdade!

- Letícia, eu já vivi e provavelmente já tive os meus amores... Agora é tarde demais, meu coração já parou de bater.

- Mas um coração nunca para de amar...

Ele sorriu levemente.

- Não, nunca para.

Os olhinhos de violeta dele brilhavam e era impossível me soltar daquele brilho... eu estava viciada em apreciar os seus olhos e quando me prendia ao olhar dele eu não conseguia me soltar sozinha.

E dessa vez não foi diferente, se ele não tivesse virado o rosto para observar um carro que passava no momento, eu teria ficado horas ali perdida nos olhos dele...

- Se você ainda for ver Lucas, acho melhor irmos embora... está ficando tarde. – Disse o anjo quebrando os meus pensamentos.

- Ah, claro, Lucas... temos que ir. – Eu disse me levantando.

O anjo veio atrás de mim.

Dessa vez fomos de táxi para casa.

Cheguei em casa e não encontrei o meu pai.

Corri até o telefone e disquei o número do celular.

- Alô? – Disse ele do outro lado da linha, a voz dele estava baixa.

- Pai, sou eu! Onde você está?

- Ah, Letícia! Você saiu e eu vim para o hospital sem você... Venha rápido para o hospital, daqui a pouco o Lucas tem que tomar os remédios dele e dormir... Ah, e ele não para de perguntar por você.

- Tudo bem, chego aí em um minuto! Beijos, pai!

Desliguei o telefone e caminhei até a porta novamente.

Não topei com a minha mãe em casa, o que foi um milagre.

- Para onde você está indo? – Perguntou o anjo enquanto me alcançava.

- Pegar um táxi, tenho que chegar ao hospital antes de darem os remédios à Lucas... – Respondi sem fôlego de tanto correr para chegar até a pista.

Fiquei olhando de um lado para o outro a procura de um carro amarelo com o nome “táxi”.

Não esperei muito tempo, tem Conquista tem muitos táxis. Então, logo, logo um parou à minha disposição.

Pedi para o motorista me levar até o hospital, e em pouco tempo eu estava lá.

Meu pai me esperava na porta do hospital, ele pagou o táxi, o que foi bom, já que a minha mesada estava quase acabando...

- Lucas ainda está acordado? – Perguntei.

- Claro, acha mesmo que ele ia dormir sem te ver? – Respondeu ele me levando para dentro do hospital.

Eu sorri.

- Letícia! – Lucas abriu um grande sorriso ao me ver entrar no quarto.

- Olá, Lucas! – Eu disse indo em sua direção para abraçá-lo.

O rosto dele ainda não tinha recuperado sua cor normal, mas estava mais vivo do que no dia anterior, assim como sua voz estava mais forte.

- Pensei que não vinha mais... – Disse ele enquanto nos abraçávamos.

- Nem pense isso, eu prometo que virei te visitar todos os dias!

- Isso será bom, aqui é um tédio!

- Querido, você terá que agüentar esse tédio até receber alta. – Disse Clarisse levantando-se do sofá. Eu não tinha a visto, estava ansiosa demais para ver Lucas.

- Eu sei mãe, mas bem que podiam me dar liberdade pelo menos no meu horário de sono! – Resmungou Lucas.

- Ei, você precisa de descanso, esqueceu?

- Que droga! Da próxima vez vou andar de capacete...

Todos no quarto rimos, até o Anjo.

- Clarisse, vamos deixar as crianças à vontade... Você nem almoçou hoje, vamos à cafeteria.

- Mãe, você não almoçou? – Perguntou Lucas preocupado. – Eu já disse que não precisa ficar vinte e quatro horas por dia comigo!

- Querido, não é nenhum trabalho para mim dedicar o meu dia à você. – Disse Clarisse dando-lhe um beijo na testa. – Vou comer algo, não se preocupe.

- Pode ir, Clarisse, eu fico aqui com ele. – Eu disse.

Ela se despediu mais uma vez de Lucas, meu pai piscou para Lucas e para mim, o que substituiu um abraço.

Depois disso eles saíram do quarto conversando.

- Já sabe que eu fui promovido? – Perguntou Lucas com um enorme sorriso no rosto.

- Sei, eu tinha me esquecido de te contar. É tanta coisa... – Respondi.

Eu me levantei da cadeira e sentei na cama dele, ao seu lado.

- Mais alguma novidade para me contar? – Perguntou ele.

Foi nessa hora que tive vontade de lhe contar a verdade, mas eu não podia... Isso era do interesse de Clarisse e papai também, eu teria que consultá-los antes de falar qualquer coisa.

Eu sonhava com o dia que eu abraçaria Lucas e falava “Hey, cara, você é meu irmão”.

- N-não. – Menti, eu sempre gaguejo quando minto.

Ele me olhou desconfiado, mas logo mudou de assunto.

- Fiquei sabendo que seu pai doou sangue pra mim, agora somos quase meio irmãos! – Disse ele sorridente, seus olhinhos verdes brilhavam e pareciam felizes.

Imaginei como ele ficaria se eu lhe contasse que não era preciso ninguém doar sangue, que somos meio irmãos de verdade... Tentei esquecer o assunto para não deixar escapar nada.

- A-ah, que legal! – Falei tentando não olhar nos olhos dele, assim ele veria que eu estava nervosa.

Tarde demais...

- Letícia, o que você tem? – Perguntou ele. – Está com a cabeça em outro mundo e parece estar mentindo.

- E-eu? Mentido? Por que? Sobre que?

Ele sorriu maliciosamente.

- Acho que sei o que é... um garoto, não é? Não minta!

Eu engoli em seco e me preparei para mentir.

- É... mas, não sei se vai dar certo... ele... ele não é daqui.

Ele me olhou desconfiado novamente.

- E de onde ele é? – Perguntou ele, eu vi que ele iria fazer um interrogatório.

- Eu... não sei... quer dizer...

- Já sei, namoro de internet? Você não deve saber nem o nome dele, imagino.

- É, é isso mesmo! Oh meu Deus, como posso ser tão desleixada e me apaixonar por alguém que eu nem sei o nome?!

- Hum... tenha cuidado com essas coisas, você sabe que eu morro de ciúmes da minha quase meia irmã. – Ele riu.

Eu revirei os olhos e dei uma risadinha teatral.

- Então... Já sabe que dia vão te dar alta? – Perguntei.

- Não sei... Mas acho que vou ficar aqui por umas duas semanas, ainda não consigo andar direito e a minha cabeça dói às vezes, mas acho que posso tratar disso em casa.

- Não seja bobo, eu quero ver você saudável novamente! Seja legal e obedeça aos médicos, faça isso por mim!

Eu beijei a bochecha dele e ele retribuiu em dobro, com um beijo em cada bochecha.

- Tudo bem, senhorita-sabe-tudo! – Ele riu novamente, o sorriso dele ainda não estava normal, geralmente era mais aberto.

Eu via a força que ele estava fazendo para parecer que estava bem, mas expressão dele ainda era cansada.

A enfermeira bateu na porta.

- Seis da tarde, hora do remédio. – Disse ela enquanto entrava com uma caixinha na mão.

- Eca, esse remédio é horrível! – Resmungou Lucas fazendo uma careta.

- Hey, o que foi que você acabou de me prometer? – Falei voltando para a poltrona, dando o espaço da cama para a enfermeira tentar obrigar Lucas a tomar o remédio.

- Odeio as minhas promessas. – Disse Lucas enquanto engolia o remédio.

- Vocês são irmãos, certo? – Perguntou a enfermeira.

- É, quase isso! – Respondeu Lucas piscando para mim.

- Bem que eu vi, se parecem muito!

A enfermeira colocou a caixinha de remédio na mesinha de cabeceira, depois voltou a falar, agora se dirigindo apenas a mim:

- Bom, você tem deixá-lo dormir agora. – Sorriu ela.

- Tudo bem. – Eu disse.

Me dirigi a Lucas e o abracei, dei um beijo em cada bochecha e ele fez o mesmo.

- Tchau, irmã! – Piscou ele para mim novamente enquanto eu atravessava a porta.

Eu acenei com a mão e saí do quarto, deixando apenas ele e a enfermeira.

Quando cheguei em casa já eram quase 19:00, tive que esperar meu pai terminar de tomar o seu cafezinho com Clarisse.

Não quis nem pensar no que mamãe faria se soubesse de uma coisa dessas...

Passei na cozinha para pegar o meu lanche preferido, o de quase todos os dias: bolo de chocolate com coca-cola.

- Você não enjoa disso? – Perguntou o Anjo, nós já estávamos no quarto.

- Não, é gostoso. – Eu disse de boca cheia enquanto equilibrava o copo de coca e o prato para me sentar na cama.

- Eu provaria se pudesse. – Disse ele tentando esconder a tristeza.

- Mas engorda... – Falei, não que eu me importe com isso, só para tentar consolar o Anjo.

Ele riu, o que me fez rir também.

Terminei de comer e fui tomar banho, como sempre, o anjo esperou lá fora.

Nada melhor do que um bom banho quente depois de um dia corrido como esse...

Vesti o meu pijama mais confortável e fui para debaixo das cobertas, liguei o ar-condicionado para preservar o friozinho no quarto, já que a noite estava quase tão quente como o dia.

Eu estava cansada e antes das 21h00min eu já estava caindo de sono.

O que não me deixou dormir foi o papo do anjo.

- No lugar onde vocês chamam de “céu” eu sou o único que é chamado por “Anjo”. – Começou ele. – Isso me incomoda às vezes, sabe... não saber o próprio nome.

Eu tentava não fechar os olhos enquanto ouvia o que ele dizia.

- Eu me sentia sozinho lá, o único com quem eu falava às vezes era Gabrell, mas ele vivia ocupado e nem sempre tinha tempo para a nossa amizade... Mas fora isso lá era legal, e ainda é, sempre fico lá enquanto você dorme.

- Um dia você disse que pode visitar os sonhos das pessoas, por que nunca visitou os meus? – Perguntei.

- Eu já te visitei! – Respondeu ele.

- Eu sei, mas eu quis dizer depois que ficamos... Amigos.

- Também te visitei depois disso. Você não deve se lembrar... Eu nunca vi uma cabeça tão cheia de sonhos como a sua, é incrível você não se lembrar de nenhum deles!

- Talvez porque não sejam muito interessantes... – Sugeri.

- É, acho que o seu sonho na noite passada com o Tom & Jerry não era muito interessante... – Ele riu.

Eu não me lembrava de nenhum sonho com Tom & Jerry...

- Não acredito que sonhei com Tom & Jerry! Acho que está na hora de parar de ver desenho animado...

- Normal... Você já teve sonhos piores, mas é melhor eu não comentar esses...

Eu senti o meu rosto queimar. Droga, eu estava pagando mico por culpa dos meus sonhos!

Eu bocejei e o Anjo percebeu o meu sono.

- Acho que alguém vai desmaiar de sono... – Disse ele.

- O dia foi muito corrido hoje. – Falei enquanto esfregava os olhos para mantê-los abertos por mais um tempo.

- Então... eu vou pro “céu” agora. – Disse o Anjo entre risos.

- Traga um pedacinho de nuvem pra mim, ok?

Ele riu mais uma vez, acenou para mim e sumiu por dentro da parede.

Mesmo sendo estranho, eu já estava acostumada.

O fato de ter um anjo da guarda estava passando de loucura para normalidade para mim. Fiquei imaginando quantas pessoas a mais tem anjos da guarda como amigos... E só tenho uma coisa a dizer: Essas pessoas tem toda a sorte do mundo.

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