Personalie

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010


CAP. 3 – Visita

Sonhei novamente com aquele garoto, que não tenho certeza se realmente É um garoto. O sonho foi exatamente igual até o momento que eu lembrava. A única diferença foi o que o garoto disse, dessa vez ele disse a seguinte frase:

“Isso vai passar”.

Eu não estava entendendo aqueles sonhos, por mais que eu tentasse, não conseguia lembrar o rosto do garoto, apenas dos olhos, incríveis olhos cor de violeta.

Hoje eu não queria ir para a escola. Mas não tive escolha, minha mãe me obrigou a ir.

Não foi nada fácil entrar no carro preto e não ver meu grande amigo ali. Eu não consegui conter as lágrimas em todo o percurso até o colégio.

O novo motorista era um senhor que devia ter uns cinqüenta anos, então não dava para contar para ele meus problemas de adolescente como eu contava para Lucas.

Essa foi à hora do dia em que a saudade mais apertou. Eu não me conformava de não poder ir vê-lo, mas ao mesmo tempo eu sabia que isso só me faria sofrer ainda mais.

Quando o carro parou na porta da escola eu saí limpando as lágrimas.

Ainda era cedo, eu tinha chegado muito adiantada, nem Jack nem Selena tinham chegado ainda. O jeito foi ficar sofrendo sozinha na minha sala de aula ainda vazia.

Eu olhei o relógio com esperanças de que já estivesse bem perto das 07h00minh. Sem sucesso, ainda faltavam 20 minutos.

Foram 20 minutos bem dolorosos. Não tinha ninguém pra conversar, pra desabafar...

Eu não queria chorar novamente, não na escola. Mas só em pensar que meu amigo poderia... Partir a qualquer momento meus olhos já enchia de lágrimas e não era fácil controlá-las.

Aos poucos os meus colegas, não amigos, só colegas, começaram a chegar.

Nada mudou, ninguém vinha falar comigo, então eu fiquei ali, encolhida na minha cadeira esperando meus amigos chegarem.

Depois de um tempo Jack e Selena chegaram.

Selena me abraçou e disse:

- Sinto muito.

Uma lágrima teimosa escapou dos meus olhos.

- Obrigado – Eu agradeci.

Depois foi a vez de Jack me consolar.

- Eu sei que eu não sou a pessoa preferida dele... mas, mesmo assim eu sinto muito. Não se preocupa amorzinho, isso vai passar logo. – Ele disse enquanto mim abraçava forte.

Agora todos os olhares da sala estavam voltados para nós.

Antes, quando eu estava sozinha, ninguém me notou, eu poderia morrer ali e ninguém daria a mínima pra isso. Mas agora, que “os populares” estavam me apoiando todo mundo resolveu me apoiar também.

Quando eu vi já tinha uma fila para dizer “Sinto muito”.

Eu apenas agradeci a cada um enquanto me abraçavam.

“Falsos” - Pensei comigo mesma.

Quando a professora chegou todo mundo se sentou em seu lugar, era aula de matemática e a professora Amália era a única que toda a sala cooperava.

A sala toda ficou em silêncio a aula toda.

Eu tentei me entreter desenhando.

No final da aula a professora também me deu um abraço e também disse que sente muito.

Mais uma vez não deu pra conter as lágrimas.

O horário seguinte foi de Ciências, eu planejei rir na aula. O professor de ciências é o mais engraçado e as aulas dele são sempre muito divertidas. Mas dessa vez nenhuma das explicações malucas nem dos apelidos toscos que ele dá aos alunos me fez rir. Eu estava muito triste pra isso.

No intervalo eu não estava com um pingo de ânimo para lanchar, mas a fome me venceu e eu acabei indo enfrentar a fila da cantina.

Jack e Selena ficaram me esperando em uma das mesas da cantina enquanto eu comprava meu lanche.

- Se eu fosse você não a deixava tão à vontade com ele – Falou alguém atrás de mim.

Eu me virei pra ver quem estava falando e dei de cara com uma garota de cabelos ruivos presos em uma trança, logo eu reconheci, era Charlotte, eu não a conhecia muito bem, mas sabia dos comentários de que ela é a garota mais fofoqueira da escola.

- Você está falando comigo? – Perguntei.

Ela soltou uma gargalhada e então falou:

- É claro. Eu estou te alertando, garota. Pra você parar de ser idiota. Como é que você deixa um garoto tão... Tão... Atraente como Jack assim, as sós, com a garota mais bonita da escola, e talvez até da cidade? – Perguntou ela entre risos.

Eu senti meu rosto ficar quente.

- E-ela é minha amiga, e eu... Confio nos meus amigos. – Eu falei.

Dessa vez ela riu mais alto ainda.

- Rá! Amigos? É isso que você chama de amigos? Bem, se eu fosse você, queridinha, escolheria melhor minhas amizades. – Disse Charlotte.

Depois de tanto me atormentar ela saiu rindo até demais.

Eu, claro, não acreditei no aviso dela, até porque se fosse verdade ela não teria me contado.

Eu comprei meu lanche e voltei a me juntar com Jack e Selena.

Eu sentei-me à mesa sem tirar o meu olhar maligno de Charlotte.

- O que a cobra assobiou pra você? – Jack perguntou também jogando um olhar de desprezo a Charlotte.

- Nada. – Menti.

- Lê você não sabe mentir, o que ela disse? – Insistiu Selena.

Eu não respondi, apenas balancei a cabeça e tomei um gole do meu refrigerante e parei de encarar a “cobra”.

Jack e Selena trocaram um olhar e eu não entendi o que eles queriam passar uma ao outro.

- Tudo bem, se você não quiser nos contar não faz mal. – Disse Jack enquanto passava a mão no meu cabelo.

Eu realmente não queria contar a eles sobre o alerta que Charlotte me fez, talvez eles pudessem ficar magoados e eu não queria isso.

Eu continuei calada até o horário bater e nós entrarmos na sala pra a aula de Geografia.

Agora minha mente estava uma bagunça, eu estava pensando em muitas coisas ao mesmo tempo. Em Lucas, nos meus sonhos e agora, no aviso de Charlotte também. Eu não acreditei nela, apenas fiquei com raiva. Pois isso bem que poderia acontecer, afinal Selena é uma garota muito mais bonita e interessante do que eu. Mas mesmo assim, eu confio nos meus amigos, e também, agora eles são os únicos que eu tenho.

A aula finalmente acabou e eu fui com meus amigos para a portaria.

Hoje o meu novo motorista chegou antes do ônibus de Jack e Selena.

Eles se despediram de mim e eu entrei no carro.

Eu novamente me lembrei de Lucas. Não era ele que estava me esperando ali dentro. As coisas já estavam ficando meio... Esquisitas.

No almoço eu encontrei meu pai na mesa.

- Filha, a cirurgia de Lucas é hoje, nós podemos ficar no hospital aguardando o resultado, se você quiser, claro... – Disse meu pai enquanto eu me sentava à mesa.

Eu apenas balancei a cabeça positivamente. Hospital não é o meu lugar preferido, mas para dar forças ao meu amigo vale tudo.

- Então... Depois do almoço nós vamos lá. A cirurgia está marcada para as 14h30min. Acho que talvez nos deixe vê-lo pelo vidro da UTI. – Disse meu pai vacilando na última palavra.

A palavra “UTI” me fez arrepiar. Eu balancei a cabeça para tirar os pensamentos pessimistas da cabeça e novamente falei comigo mesma “Ele ficará bem, Ele ficará bem”.

Eram 14h00min quando eu e meu pai chegamos ao hospital.

Logo no sofá da recepção encontramos a mãe de Lucas, Clarisse, chorando.

Eu a abracei, meu pai apenas acenou com a mão.

Meu pai foi até a recepcionista, provavelmente perguntar sobre as novidades do quadro de saúde de Lucas.

- Ele está tão... Pálido, sem vida, tantos fios ligados a ele. – Falou Clarisse entre soluços.

Eu não consegui conter as lágrimas novamente.

- Calma, ele vai ficar bem. – Tentei passar meu otimismo a ela.

Alguns minutos depois meu pai voltou a nós.

- O médico está vindo nos dar algumas informações. – Disse meu pai.

Eu fiquei sentada ao lado de Clarisse esperando o médico. Ela estava desesperada, quando o médico chegou, ela quase pulou em cima dele.

- Doutor como ele está? – Perguntou ela.

Meu pai e eu também haviamos nos aproximado para ouvir o médico.

- Na mesma. Bem, eu vim falar que talvez nós tenhamos que adiar a cirurgia, o nosso estoque e A+ está em falta, e é muito arriscado fazer uma cirurgia dessas sem estoque de sangue. O problema é que não sabemos por quanto tempo ele... Vai agüentar. – Disse o médico.

- A+? – Perguntou meu pai.

- Sim, esse é o tipo de sangue dele. – Respondeu o médico.

- Maravilha! Então eu posso doar sangue para ele? – Perguntou novamente meu pai.

Clarisse olhava para meu pai como se não estivesse entendendo a reação do meu pai. Como eu sabia da “história” entendi o porquê de tanta questão em doar sangue a Lucas.

- Isso realmente é muito bom - Disse o médico dando uns tapinhas nas costas do meu pai - Parabéns Sr. Prefeito, está salvando uma vida.

- Ah, claro, obrigado, é o mínimo que eu poderia fazer. – Agradeceu meu pai.

Mesmo com isso tudo, eu fiquei um pouquinho feliz, agora seria como se Lucas fosse mesmo meu irmão, pois, sangue do meu pai correria por suas veias.

A mãe de Lucas abraçou meu pai com um entusiasmo exagerado e disse:

- Ah, Vitor, muito obrigado, muito obrigado mesmo, por tudo, tudo, tudo que você está fazendo por nós.

Meu pai ficou da cor de um pimentão.

- É... Um prazer ajudar. – Gaguejou ele se soltando do abraço de Clarisse.

Quando meu pai e o médico já estavam saindo para fazer os exames eu resolvi perguntar:

- Ei, doutor, eu... Não posso vê-lo?

O médico pensou por um minuto.

- Bem, ele está na UTI, se você quiser pode vê-lo pelo vidro. – Respondeu o médico.

A palavra UTI mais uma vez me fez arrepiar e a minha garganta novamente travou.

- E-Eu também quero... Quero vê-lo. – Disse a mãe de Lucas, ainda chorando.

O médico chamou uma enfermeira e ela nos levou pelo corredor silencioso até uma sala onde havia uma imensa janela de vidro coberta por uma cortina azul claro e ao lado da imensa janela uma porta onde estava escrito “UTI”. Na sala havia também um longo sofá branco que não se destacava com a cor pálida da sala. Eu não olhei pela janela, não no exato momento que cheguei. Eu sabia que o que eu veria não iria me deixar feliz, mas mesmo assim eu continuava com o meu pensamento masoquista de que precisava vê-lo, nem que fosse desse jeito.

Eu e Clarisse entramos de mãos dadas e lágrimas nos olhos na sala.

A enfermeira entrou na sala de UTI e abriu a cortina azul.

Eu e Clarisse ficamos imóveis no sofá até que ela veio nos chamar.

- Vocês podem vê-lo pelo vidro. Bem, não pode demorar, a cortina deve ficar fechada. – Disse a enfermeira.

Clarisse foi antes de mim até o vidro. Eu vacilei logo que levantei.

Mas logo tomei forças e criei coragem, eu tinha certeza que ele sairia dali. Eu acho.

Clarisse já estava encostada no vidro chorando mais desesperadamente agora, suas mãos estavam juntas e ela falava alguma coisa que eu não consegui entender. Parecia que ela estava rezando.

O desespero da mãe de Lucas me fez ficar nevorsa e eu logo estava chorando também.

Eu caminhei até o vidro de olhos fechados. Enquanto andava devagar, eu sentia as lágrimas escorrerem pelo meu rosto.

Eu senti alguém me abraçar. Quando abri os olhos era Clarisse. Agora eu já estava colada com a janela de vidro.

Olhei e o vi. Mesmo de longe consegui reconhecê-lo. Seus cabelos não apareciam, a faixa branca enrolada em sua cabeça escondiam seus fios castanhos. Havia vários aparelhos ligados a ele. Mas o que mais me doeu foi não poder ver seus olhinhos verdes brilhando como esmeraldas, pois suas pálpebras os escondiam.

A dor no meu peito apertou de um jeito quase insuportável.

Eu me encostei mais no vidro, agora eu estava manchando-o.

- Ei, não encoste muito no vidro. – Reclamou a enfermeira.

Eu me afastei do vidro e Clarisse me abraçou passando a mão no meu cabelo, me consolando.

A enfermeira olhou o relógio e então disse:

- Desculpem, tenho que fechar a cortina agora.

Então ela novamente entrou na sala de UTI e fechou a cortina azul. Agora eu não podia mais vê-lo, mas a lembrança dele estava grudada em minha mente como um chiclete em uma sola de sapato.

Mas, como dizem, é melhor lembrar as coisas boas, e assim pensar positivo.

“Como? Como? Como?” Pensei.

Era impossível ser tão otimista vendo ele daquele jeito, tão... Sem vida.

Clarisse e eu voltamos a recepção e esperamos meu pai voltar.

Depois de um tempo ele voltou segurando um algodão no braço direito.

- Nem doeu. – Ele tentou me fazer rir.

O meu gral de tristeza estava muito alto para um só riso. Mas, para não decepcioná-lo eu fingi um risinho.

- Bem, o médico disse que se meu sangue for útil ele poderá ser operado em três dias. – Disse meu pai.

- Ele parecia tão... mal. – Eu sussurrei.

Clarisse suspirou e então disse:

- Ontem os médicos rasparam o cabelinho dele, ele... Ele gostava tanto do cabelo.

- Vai crescer de novo. – Consolou meu pai.

Ele olhou o relógio e então disse:

- Letícia, temos que ir, já são 17h30minh. Sua mãe vai nos engolir.

Eu e meu pai nos despedimos de Clarisse que ficou no hospital, pelo jeito ela moraria ali na recepção enquanto Lucas não voltasse para casa.

Naquele momento eu quis mais do que nunca estar no lugar de Lucas, para não ter que sofrer com a perda, ou perda temporária dele. Eu sei que se fosse eu que tivesse recebido uma bala na cabeça era ele quem estaria sofrendo, mas acho que ele aceitaria melhor a situação do que eu.

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