Personalie

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010


CAP. 1 - Pressentimento.

O despertador sob a minha mesinha de cabeceira apitava 06h30min da manhã. Eu estava super atrasada para o Colégio.

Levantei o mais rápido que pude e cambaleei até o banheiro. Tomei um rápido banho bem gelado pra espantar o sono, escovei meus dentes em um fleche. Olhei-me no grande espelho do meu banheiro e vi que os meus cabelos negros estavam na pior situação, mas não dava tempo de escová-los, a única coisa que eu fiz foi prendê-los rapidamente enquanto descia as escadas quase tropeçando com o peso da minha mochila.

Eu olhei para o relógio no meu pulso e vi que só faltavam 5 minutos para as 07h00min.

Eu já estava quase saindo quando minha mãe apareceu no topo da escada.

- Letícia, seu uniforme está totalmente amassado! E esse cabelo? Será possível que você não sabe nem se vestir adequadamente para ir à escola?

Olhei rapidamente para o meu uniforme azul. Ele não estava tão amassado...

- Mas mãe, eu já estou super atrasada, não dá tempo de me produzir. E também, eu não vou para um desfile de moda, eu só vou para o colégio!

Ela desceu as escadas com uma cara de “volte aqui e faça o que eu digo”.

- A filha da primeira dama não vai sair assim. Nem pensar. – Disse ela enquanto balançava a cabeça.

Eu respirei fundo e mordi meus lábios para não gritar com a minha mãe.

- Olha mãe, não deu tempo nem de tomar café, eu tenho daqui a pouco. Só tenho 3 minutos pra chegar à escola. Então, por favor, não enche, ok? – Falei calmamente. E antes que ela pudesse responder eu já estava do lado de fora da casa, eu sabia que ela não sairia nem na porta sem maquiagem, então ela nem veio atrás de mim.

Lucas, motorista do meu pai, já me esperava dentro do carro. Eu corri até a SW4 preta e entrei rapidamente no banco da frente do carro.

- Se atrasou foi, Lê? – Perguntou ele.

- É. Fiquei até tarde no MSN com Jack. – Respondi enquanto verificava a minha mochila para ter certeza de que não esquecera nada.

Lucas fechou a cara e ligou o carro.

- Eu não gosto desse cara. – falou Lucas enquanto seus olhos verdes encaravam a rua.

Eu revirei os olhos

- Argh. Não sei por quê. Jack é um cara super legal, e como meu melhor amigo você poderia muito bem simpatizar um pouco com o meu namorado!

Ele desvirou os olhos da rua e me encarou por uns três segundos com os seus olhinhos verdes.

- Não sei. Não acho que ele seja o cara certo pra você. – Resmungou ele enquanto corava levemente.

Soltei uma risadinha sarcástica e falei:

- Tá. E quem seria o cara certo? Você? – Ai meu Deus o que foi que eu disse? Rapidamente eu senti meu rosto pelar de tão quente.

Dessa vez quem riu foi ele, só que não era sarcásticamente.

- Ah Letícia, fala sério, você é quase cinco anos mais nova do que eu! Para mim, você é a minha irmãzinha. E eu o irmão chato que nunca gosta dos namorinhos da irmã. – Ele disse ainda entre risos.

Eu bufei.

- Ainda bem que eu não tenho um irmão chato pra servir de guarda-costas. – Zoei.

Na verdade eu adoraria ter um irmão, mas pela falta de falta de amor por crianças da minha mãe, eu acabei não tendo a oportunidade de ter irmãos.

Nós dois rimos juntos enquanto conversávamos sobre outros assuntos e contávamos situações engraçadas um ao outro. Era sempre assim com Lucas: muitas risadas e muita diversão. Talvez fosse por isso que Lucas fosse o meu melhor amigo. Era divertido passar o tempo com ele, e até quando eu acordava atrasada e de mal humor, ele conseguia fazer com que eu desse o primeiro sorriso do dia.

Lucas virou a curva e parou em frente ao meu colégio. Era hora de encarar o Campus e os seus alunos mal educados.

- Bem, a senhorita está entregue. – Disse Lucas enquanto se espreguiçava no banco.

Eu abri a porta do carro ainda rindo da sua última piada: “Se um dia a pessoa que você ama lhe trair, não pule de um penhasco. Pois se lembre de que você tem chifres e não asas.”.

Eu já estava saindo quando ele me chamou.

- Ei, estou de olho em você mocinha. – Zombou, e logo depois me mandou uma piscadinha de olho.

Fingi fechar a cara e mostrei a língua para ele.

Só com Lucas eu tinha essa proximidade. Ele era daquele tipo de amigo que está para você e com você em todas as horas, e era isso o que eu mais gostava nele.

- Ok, mesmo mal educadinha, eu amo você. – Ele sorriu e jogou um último beijo antes de voltar a ligar o carro – Boa aula!

Naquele momento eu senti uma coisa estranha, um pressentimento ruim. Passei a mão do peito esquerdo para aliviar a pontada que eu senti no coração.

- Letícia, você está bem? – Lucas já estava fora do carro me segurando, provavelmente eu havia ficado tonta com a pontada no coração, o pressentimento ruim.

- E-eu estou bem. Acho que fiquei tonta porque não tomei café da manhã. – Menti.

- Ah, ok. Come alguma coisa na escola. Se cuida. – Ele beijou o topo da minha cabeça e voltou para o carro com uma expressão desconfiada.

Quando ele me deu tchau pela última vez, a pontada no coração doeu ainda mais e eu quase pedi a ele para ficar ali. Não sair de perto de mim. Mas ele já estava manobrando o carro de volta.

Foi nessa hora que Jack meu abraçou por trás e me roubou um selinho.

Lucas viu isso de dentro do carro e jogou um olhar de desprezo a Jack que ele não viu, ou fingiu que não viu.

- Oi, amor. – Ele disse me arrastando para a aula.

- Oi, chegou atrasado também? – Perguntei.

- É. Você quase não me deixa sair do MSN! - Respondei ele enquanto amassava os lábios na minha bochecha.

Rimos.

- Bom, eu acho melhor a gente ir para aula. O primeiro horário é de História e você sabe que o professor Wilson não gosta de atrasos.

E assim nós dois fomos juntos para a nossa primeira aula do dia.

Ao chegar à sala de aula, tivemos sorte por professor ainda estar tentando fazer os alunos fazerem silêncio.

Selena, minha melhor e única amiga, tinha guardado dois lugares: um meu e um de Jack.

Nós sentamos e ficamos quietos para colaborar com o professor que já estava quase explodindo a garganta de tanto gritar.

- VOCÊS NEM PARECEM ALUNOS DO 2º ANO! ESTÃO PIORES DO QUE A 6ª SÉRIE! – Gritou o professor pela milésima vez.

Depois de muitas e muitas tentativas de fazer a sala se calar, o professor conseguiu falar e deu continuação aos seus dois horários de aula em paz.

Quando o terceiro sinal tocou, Jack, Selena e eu não saímos da sala. Estávamos conversando sobre a Festa de Fim de Ano que o Campus (onde estudávamos) fazia todo o ano, para reunir os alunos do ensino médio e homenagear o último ano. Esse ano a festa seria no estilo de um baile, onde cada um teria que ter o seu par. Logicamente, o meu parceiro seria Jack, afinal, ele era o meu namorado.

Depois da cansativa aula de matemática, o quarto sinal tocou indicando o início do intervalo.

Corri para a cantina para não pegar fila, mas já era tarde demais.

Jack e Selena ficaram esperando sentados em uma das mesas da cantina enquanto eu comprava meu lanche.

Com dificuldade e recebendo um monte de palavrões, consegui furar a fila, comprei meu lanche - aliás, lanche que dava pra duas pessoas - e me sentei junto com Jack e Selena.

Jack me beijou, arrancando alguns olhares do pessoal da cantina, na maioria de garotas.

Jack e Selena tinham boas condições, mas ainda assim não eram filhos do prefeito da cidade – como eu -, porém, tinham o maior IBOP do ensino médio. Provavelmente pela beleza deles. Que garota não queria ter os longos cabelos louros e lisos naturais de Selena? Ainda mais quando vinha acompanhado de olhos azuis, pele de bebê e corpo de boneca?. Jack parecia um cara daqueles de revista. Másculo e com a pele dourada do sol que ele costumava pegar em Salvador nos fins de Semana, Jack conseguia quase tantos olhares como o Zac Efron. Ah... Sem falar nos cílios imensos dele e no sorriso que iluminava o rosto de uma orelha a outra.

Mas eu não era como eles. Não tinha cabelos perfeitos nem olhar penetrante, muito menos corpo de manequim. Talvez fosse por isso que metade da escola agisse com tanta indiferença em relação a mim, porque eu era apenas um peixinho no aquário errado. Ou ainda, talvez fosse pelo fato de o meu pai estar na política, e eu sabia o quanto isso causava problemas na vida social da minha família. Afinal, nem todos se contentam com o resultado das eleições.

Selena tocou novamente no assunto do baile.

- Vários meninos me convidaram pro baile, mas eu ainda não decidi com quem ir. Sorte de vocês terem um ao outro. Como eu queria ter um namoro assim: sério...

Ela disse enquanto olhava pro chão, como se quisesse esconder a tristeza.

- Selena, você é a menina mais bonita da escola, vai consegui um ótimo par paro baile. E quem sabe até lá você não tenha um namorado?

Ela riu, e levantou a cabeça.

- É, parece fácil. Mas não é. Os garotos nunca olham dentro de mim. – Os olhos dela novamente caíram.

Jack estava quieto. Só quando eu olhei para ele, foi que percebi que ele estava ouvindo músicas no MP4 em alto volume, a ponto de eu conseguir escutar.

Eu comi meu lanche em silêncio enquanto Selena olhava as unhas e Jack ouvia música.

A campainha tocou o quinto horário. Eu, Jack e Selena nos levantamos da mesa e fomos em direção a sala de aula onde teríamos horário duplo de Filosofia e o último de Português.

Na aula de filosofia, eu até tentei prestar atenção no assunto, mas a dor no coração veio novamente e o mau pressentimento tomou conta de mim. Não sei por que, mas sempre que eu sentia isso me lembrava de Lucas, como se algo ruim fosse acontecer com ele.

A aula de português foi bem mais rápida, nem teve tempo pra tristeza. A professora de português da aula de um jeito alegre, e isso me fez esquecer o tal pressentimento ruim.

O horário bateu. Eu e Jack saímos de mãos dadas, como sempre, e Selena do nosso lado.

Selena estava falando, novamente, sobre o baile.

- Ah Lê, nós temos que comprar nossos vestidos juntas! Preciso da sua opinião. – Ela disse rindo.

- Claro, também preciso da sua, mas não sei se sirvo de jurada, tenho um mau gosto... – Eu disse.

- Ei, que história é essa de mau gosto? Você me escolheu e foi uma ótima escolha. – Riu Jack.

Eu e Selena acompanhamos o riso dele.

O ônibus de Jack e Selena chegou. Eles me deram “Tchau” e eu fiquei ali, sentada na porta da escola, sozinha, esperando Lucas vim me buscar.

Eu não tinha outros amigos além de Lucas, Jack e Selena. Mas não fazia questão de ter muitas amizades sem nenhuma verdadeira, como mamãe fazia. Dou o exemplo de minha mãe porque já percebi inúmeras vezes que as amigas dela só a procuram na hora de assinar um cheque. Tanto faz para ela, já a ouvi fofocar sobre as próprias amigas e acho que isso deve fazer parte do que ela chama de “trabalho de primeira dama”. Ou simplesmente, “trabalho da esposa do prefeito que não precisa ajudar no sustento da casa”.

Então, eu me sentia muito feliz com os melhores três amigos do mundo: Jack, Selena e Lucas.

Ah... Lucas. Eu precisava muito vê-lo.

Uns dois minutos depois o carro preto parou em frente a minha escola. Eu me levantei rápido, agora mais do que nunca eu queria ver Lucas, abraçá-lo, dizer o quanto ele é um amigo importante.

Mas quando eu abri a porta do carro não era Lucas quem estava no volante.

- Pai? – Perguntei enrugando a testa.

O que ele estava fazendo ali? Era para ele estar na câmara municipal exercendo seu trabalho de prefeito da cidade. Ele nunca tinha tempo de ir me busca. Por que ele foi logo hoje quando eu queria tanto que fosse Lucas?

- É... Eu preciso te falar uma coisa. Mas é melhor você entrar no carro primeiro. – Ele disse sem tirar os olhos do volante do carro.

Entrei no carro, joguei a minha mochila no banco de trás e fechei a porta.

- Então, não vai me contar? Onde está Lucas? – Perguntei cruzando os braços.

Dessa vez ele olhou pra mim.

- Você gosta muito desse rapaz, não é, filha? – Ele perguntou olhando nos meus olhos.

Eu senti meu rosto corar.

- É-é. Como... Como se fosse um irmão. – Gaguejei. Só me faltava era meu pai achar que eu estava de caso com o meu melhor amigo que também era motorista da família!

Ele suspirou e bateu de leve a cabeça no volante duas vezes – o que me fez pensar mais ainda que ele estava achando que eu estava de caso com o Lucas. Quando ele voltou a olhar para mim, eu achei ter visto uma lágrima nos olhinhos verdes dele, que me fizeram lembrar os olhos de Lucas. Será que ele acharia tão ruim eu ter um casinho com o Lucas a ponto de chorar?

Bom, eu tenho certeza que ele preferiria Lucas a Jack – Porque o pai de Jack também é da política, só que de um partido contrário, o que pode ou não ser bom para o meu pai. -, então descartei a hipótese do “caso”.

A expressão triste dele me preocupou, e eu me lembrei do pressentimento ruim.

- Pai, aconteceu alguma coisa com Lucas? – Tentei adivinhar com os olhos cheios de lágrimas preparadas para fugirem quando ouvirem a resposta.

Ele tomou fôlego antes de falar.

- Sim. Ele... Ele foi atingido na cabeça por uma bala perdida. – Ele quase sussurrou.

Foi como se o meu chão tivesse desabado. Eu sabia que aquele pressentimento ruim significava alguma coisa. Mas não imaginava que a coisa fosse tão séria. Não consegui segurar as lágrimas nos meus olhos e elas acabaram caindo.

Meu pai ainda tentava conter as lágrimas nos olhos dele, mas depois que as minhas caíram ele também não conseguiu resistir e uma acabou fugindo.

Não fazia muito tempo que Lucas trabalhava para a nossa família, mas ele já tinha conquistado todos nós. Quer dizer, com a exceção da minha mãe.

- E como ele está? Não mente para mim pai, por favor! – Falei entre soluços.

Ele limpou as lágrimas, então, respondeu:

- O quadro dele não é bom. - Disse meu pai - Ele está desacordado. Os médicos ainda não sabem dizer nada.

Mais e mais lágrimas caíram dos meus olhos.

- Pai, eu PRECISO vê-lo! – Gritei.

- Mas filha, ele não pode receber visitas, e também, ele não irá vê-la, ele está desacordado. E na UTI.

Eu me encolhi no banco da frente do carro escondendo meu rosto entre os joelhos.

Meu pai ligou o motor do carro e saiu do lugar.

Eu não olhei janela a fora, apenas fechei os olhos e fiquei lembrando os momentos em que eu e Lucas nos divertimos. Lembrei das vezes em que eu brigava com mamãe e ele me consolava. Lembrei do dia em que um garoto me queixou e ele me defendeu brutamente, como um irmão ciumento. Lembrei das vezes que ele me fazia rir no carro a caminho da escola quando eu estava triste por causa dos testes ou por qualquer outro motivo.

Depois eu pensei o quanto eu sofreria se ele se fosse.

Eu teria um amigo a menos. Um grande amigo a menos.

Eu não iria agüentar. Eu ainda teria Jack e Selena, mas não seria a mesma coisa. Tinha coisas que só Lucas entendia. Eu precisava dele, eu sabia que se ele não resistisse eu iria pedir pra sair. Quando você se apega a alguém como eu me apeguei com Lucas, você não consegue mais viver sem ela, e eu não conseguiria viver sem Lucas.

Mas o que eu podia fazer?

Bom, o melhor que eu tinha a fazer era não pensar no pior. “Lucas ficará bem, Lucas ficará bem”.

Eu tentaria pôr isso na minha cabeça.



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