CAP. 12 – Fotografia
Meu pai bateu cedo na porta do meu quarto.
- Letícia, acorda, eu sei que é cedo, mas o assunto é importante. – Dizia ele enquanto batia na porta.
Eu me virei na cama e soltei um bocejo enorme, meus olhos mal conseguiam se manter abertos de tanto sono.
- Me deixe dormir! – Gritei, mas o som saiu abafado porque meu rosto estava enfiado no travesseiro. Claro que eu não queria ser grossa, mas eu estava anestesiada e não sabia muito bem o que eu estava falando.
- Anda Letícia, é importante! – Meu pai bateu na porta três vezes seguidas depois de dizer isso.
O que podia ser mais importante do que o meu sono? Ok, tinha muita coisa mais importante do que isso. Como Lucas, por exemplo...
Eu tentei ignorar as batidas na porta, mas não estava dando certo, meu pai não parava de batucar a madeira por um só minuto!
- Tudo bem! É isso que você quer? Beleza, estou levantando! – Me rendi.
Abri a porta com a minha cara de sono, meu pai já estava disposto e de terno as seis e quarenta e cinco da manhã.
- Letícia, preciso de um favor. – Começou ele.
- Favor? A essa hora da manhã?
- Diz respeito à sua avó.
- O que vovó tem? – Meu tom já tinha mudado de sonolento para preocupado.
- Sua avó fraturou o braço, acabaram de me ligar do hospital. E você sabe que ela mora sozinha lá em Boa Vista, e agora ela está precisando de ajuda, mas é só até amanhã, é o tempo que consigo alguma enfermeira para ela.
- E você quer que eu vá? – Perguntei, já sabendo a resposta.
- É, acho que o melhor meio de ir daqui para Boa Vista é de táxi, mas se você quiser ir de ônibus... Acho que tem um para as 7:20.
- Pai... é que eu queria ir ver Lucas hoje, eu prometi que iria visitá-lo todos os dias.
- Não se preocupe, querida. Ele não ficará sozinho, eu irei lá hoje. Aviso a ele o por quê de você não ter ido. Então, vai me ajudar com a sua avó?
- Tudo bem, eu vou no de 7:20 - Concordei
- Então está tudo combinado, amanhã de manhã eu mesmo vou buscar você na casa da sua avó – Ele fez uma pausa – E... Obrigado, filha. É bom poder contar com você.
Eu apenas sorri.
Depois disso ele me deu um beijo na testa e saiu em direção à escada, então, eu fechei a porta do quarto.
Só havia um problema... O anjo.
O jeito era torcer para ele saber onde estou de onde quer que ele esteja.
Eu também tinha os meus planos de passar o dia com Lucas, mas agora que ele não corria mais risco de vida não havia mais pressa, e como meu pai disse que ele avisaria o motivo por eu não ir visitá-lo hoje, não havia mais problemas em relação à isso.
Tomei um banho rápido e vesti uma blusa verde de mangas curtas com o jeans que eu nunca deixava faltar. Como era viajem, resolvi trocar os sapatinhos fechados por tênis, até porque o dia estava apontando chuva e eu não ia querer sujar os meus pés de lama assim que pisasse fora de casa.
Na minha mochila eu não coloquei nada mais além de duas mudas de roupa, um pijama e minha malinha de banho.
Eu tinha me arrumado rápido, ainda eram 7:10 quando eu saí de casa tomando um iogurte.
O motorista novo me levou até a rodoviária, onde fiquei esperando o ônibus certo.
Os alto-falantes da rodoviária gritaram avisando que o ônibus para Boa Vista já chegara. Peguei a minha mochila e fui em direção ao ônibus de número 17, que me levaria até o meu destino.
Eu já disse como os ônibus que vão para Boa Vista são vazios? Pois é, eu até pude ocupar duas cadeiras. E o motivo para ninguém ir à Boa Vista é que lá é um vilarejo pequeno, frio e sem graça. Não tem shopping nem cinema, e até para se achar um bom posto de gasolina é trabalho. É um lugar que se pode chamar de “fim de mundo”. Lá não é o meu lugar preferido, só vou em consideração à minha avó, que eu gosto muito. Ela não é do tipo de avó que gosta de fazer crochê, ela está sempre atualizada em tudo e seu hobby principal é escrever. Eu já contei que a minha avó fez faculdade de letras em Portugal? Pois é, ela morou lá por dois anos. Além de escrever ela também é louca por plantas, principalmente flores.
Eu sei dessas coisas porque meu pai sempre me falava sobre vovó quando eu era criança, já que eu não à via com freqüência.
Eu abri a janela do ônibus e deixei o vento soprar os meus cabelos e penetrar no meu rosto enquanto aproveitava o escurinho das pálpebras para refletir.
Eu estava começando a ficar preocupada coma demora do Anjo, apesar de que ainda não eram nem 08h30min da manhã, e ele sempre costumava chegar depois das dez.
Resolvi esquecer esse assunto e pensar positivo, pensar que o Anjo me encontraria e que não me deixaria na mão hoje nem nunca.
Peguei meu MP4 que eu trazia dentro da mochila (que por ser pequena e o ônibus estar vazio, veio na frente comigo) e liguei na minha pasta de músicas internacionais.
O vento estava frio e como eu havia previsto, logo começou a chover fraquinho. O jeito foi fechar a janela e seguir viajem sem o ventinho gostoso no rosto.
Eu acabei adormecendo no ônibus e só acordei quando o motorista me balançou avisando que já havíamos chegado a Boa Vista.
Desci do ônibus equilibrando a mochila no ombro. O lugar estava quase vazio, aliás, tudo em Boa Vista é vazio. As poucas pessoas que se encontravam na estação estavam embarcando para outros lugares, fugindo do fim de mundo.
A rua estava toda enlameada, mas a chuva já havia passado.
A minha mochila estava leve, e como a casa da minha avó não era muito longe, resolvi ir de pé mesmo.
No meio do caminho uma voz me parou atrás de mim.
- Mudanças? – Perguntou a voz, uma voz que eu conhecia muito bem...
- Anjo? – Meus olhos brilhavam, eu podia sentir.
Me virei para confirmar.
Era ele.
- Como me achou aqui? – Perguntei.
- Vamos dizer que você pode correr... Mas não pode se esconder.
Eu ri.
- Por que eu me esconderia de você, seu bobo?
Ele deu de ombros sem responder.
Eu continuei a caminhar, agora, com ele atrás de mim.
- Mas, me diga, o que veio fazer aqui? – Perguntou ele.
- Vim visitar a minha avó, ela faturou o braço.
- A senhora dos olhos cinzentos?
- Sim, ela mesma.
- Mas, e o baile? Só faltam dois dias!
- Eu sei disso, amanhã estarei em Conquista novamente, é só o tempo que o meu pai consegue uma enfermeira para cuidar de vovó.
O resto do caminho foi silencioso, o lugar estava meio deserto, como sempre, as poucas casas estavam fechadas, algumas tinham pessoas nas portar, a sua maioria eram idosas fazendo crochê.
O clima estava meio frio por conta da chuva que passara, algo de uns 24º.
Eu parei em frente ao casarão com um enorme jardim na frente, fazia tempo que eu não ia lá, mas não dava para confundir uma casa em um lugar onde existem tão poucas.
- Chegamos. – Informei.
- Sua avó gosta de flores, certo? – Perguntou ele enquanto atravessávamos o enorme jardim florido.
- Sim, tem mais no fundo da casa, também tem uma horta, ela adora!
Toquei o interfone da casa duas vezes, ao invés de atender, minha avó apareceu na sacada da casa.
- Letícia! – Gritou ela lá de cima, sua voz parecia feliz.
Eu sorri.
Em um minuto ela já estava no andar de baixo.
A porta se abriu e ela me recebeu com um grande abraço de um braço só, isso porque o braço direito dela estava engessado.
- Que bom que você veio, querida! Eu estava com saudades! – Dizia ela enquanto me abraçava.
- Eu também, vó.
- Oh meu Deus, como você está crescida! – Disse ela se soltando do abraço, agora segurando a minha mãe e me olhando de cima a baixo.
Eu sorri.
- Entre, querida, entre! – Disse ela me puxando para dentro da casa.
Ela bateu a porta antes que o anjo entrasse, então, ele atravessou-a.
A entrada dava direto à uma sala de estar cheia de vasos e quadros, do lado direito tinha uma porta de vidro enorme, do outro lado da porta de vidro se via uma enorme estante cheia de livros, à sua frente uma mesa com computador. Oba, pelo menos tem computador e livros!
Nós nos sentamos no sofá. O rosto murcho e enrugado da minha avó ainda abrigava um enorme sorriso, os seus olhos cinzentos brilhavam iguais às estrelas no céu.
- Como você fez isso? – Perguntei apontando para o braço engessado dela.
- Oh, escorreguei quando fui regar as flores hoje cedinho! A minha sorte foi que a moça que trabalha na casa ao lado varria a calçada na hora e me viu cair, ela me ajudou a entrar e ligou para o hospital. Mas eu vou ficar bem, não se preocupe, vaso ruim não quebra.
Eu sorri para mostrar um pouco de simpatia.
- E essa mania do seu pai... Hum, eu já disse que não preciso de uma enfermeira e que posso me dar bem sozinha, mas você sabe como ele é protetor, certo? Espero que não se importe de ficar aqui até amanhã.
- Oh, claro que não vó, e também, vai que você precise de alguma ajuda?
- Hum, continuo achando que é exagero... Mas tudo bem, vamos, vou lhe mostrar seu quarto.
Nós subimos as escadas, no topo havia um corredor com cinco portas e uma entrada com uma enorme porta de vidro que levava até a varanda da frente.
Ela me levou até a terceira porta e abriu-a.
- Então, é aqui que você vai ficar! Se você quiser tem um computador lá embaixo, eu sei que os adolescentes adoram internet, é meio lerda por ser de antena, mas pega direitinho.
Eu entrei no quarto, ele era amarelo clarinho e tinha um quadro com pintura de flores pendurado na parede, na assinatura estava escrito “Para Nina, com amor: Frederic”
Provavelmente vovó teria comprado-o em alguma galeria de artes, já que pelo que eu saiba ela não tem “Nina” no nome, e o meu avô não se chamava “Frederic”.
Resolvi esquecer o quadro.
Despejei a mochila na cama.
Minha avó continuou a falar:
- Daqui a pouco é hora do almoço, eu pedi para a Maria fazer uma lasanha cheia de queijo, seu pai me disse que você adora! Ah, e também pedi que ela fizesse um bolo de chocolate, espero que você goste!
- Tudo bem. Ah, valeu pela lasanha e pelo bolo, eu adoro mesmo... – falei – Se precisar de alguma coisa é só chamar!
- Não, querida, não se preocupe comigo! Ah, depois, vá até a salinha de livros, onde fica o computador, e escolha um livro para você, acabei de lançar uma nova coleção, é romance... Você vai adorar! – Disse ela saindo do quarto.
- Ah, claro, vou sim. – Respondi acompanhando-a até a porta.
Ela desceu as escadas, quando eu não pude mais vê-la fechei a porta do quarto.
Caí de costas na cama.
- Será um longo dia... – Falei entediada.
- Dias longos são legais... – Rebateu o anjo.
- Quando se tem algo bom para fazer. – Completei.
Ficamos um tempo em silêncio.
Meus olhos fitaram um grande quadro na parede.
- Esse quadro me parece tão familiar... – Comentou o anjo encarando o quadro também.
- Talvez seja pelo tanto de flores que você viu na entrada. – Tentei fazer uma piada, não foi boa, mas ele riu.
Continuei a falar:
- Esse “Frederic” deve ter feito esse quadro para a tal “Nina”, porque ele ou ela vendeu o quadro? Um presente tão lindo...
- Não parece um tipo de presente que se venda. – Disse o anjo ainda encarando o quadro.
O silêncio voltou a reinar por um tempo...
- Sabe de uma? – Falei me levantando da cama – Vou ver os livros, não agüento mais ficar aqui sem fazer nada!
- Até que em fim!
Tirei o tênis (que estava sujo de lama) e desci as escadas de meias.
Minha avó não estava na sala nem na mine-biblioteca, então, deduzi que ela estava no jardim.
Os meus passos de meias estavam inaudíveis, a sala estava quentinha e clara, a luz estava acesa.
- Droga, esqueci de perguntar a vovó qual o nome da coleção!
- Tem tantos livros, vamos escolher qualquer um. Deve ter outros bons também.
Eu concordei com a cabeça. A estante era alta, eu peguei a cadeira da mesinha e arrastei até ela, subi e comecei a procurar um bom livro.
- Contos de Inverno, já li um monte de vezes. – Comentei segurando o livro, ainda em cima da cadeira, o anjo flutuava ao meu lado.
- Se eu li eu não lembro, mas o título me parece familiar.
- Então, vamos ler novamente! – Falei sorridente enquanto pulava da cadeira para o chão.
Eu acabei escorregando com a meia quando pisei os pés no carpete de madeira, o livro voou para o outro lado da mesa e eu bati os joelhos no chão.
- Letícia, está tudo bem? – Perguntou o anjo enquanto eu me levantava.
Meus joelhos estavam doloridos, levantei a calça para ver se estavam ralados.
Não estavam, apenas vermelhos.
- Uau, que queda! – Resmunguei enquanto procurava o livro pelo chão.
- Xi... Eu acho que a gente vai ter que escolher outro livro. – Disse o anjo enquanto apontava para as páginas espalhadas pelo chão.
Droga, eu tinha acabado de rasgar um livro da minha avó, espero que ela não me mate!
- Oh, vou tentar dar um jeito nisso... – Falei apanhando as páginas do chão.
Parecia que não ia ter jeito, mas não custava nada tentar.
No meio da bagunça de páginas, algumas com desenhos coloridos, uma foto em preto e branco me chamou atenção. Ela tinha caído um pouco longe das páginas, do outro lado depois da mesa.
Eu soltei as páginas desorganizadas em cima da mesa e caminhei até o outro lado em busca da foto.
- Oh meu Deus, eu não acredito no que estou vendo! – Sussurrei enquanto segurava a foto. Eu não conseguia acreditar nos meus olhos, eu tentava ligar os fatos, mas nada parecia fazer sentido... pelo menos, não agora.
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